O final do ano está chegando: a época de celebrar já está aí, e a importância de falar sobre a Redução de Danos em contexto de festa fica ainda maior. Vamos entender melhor esses conceitos e aprender as dicas?
Natal, Ano Novo e muitas festas para esperar em um cenário ainda pandêmico, mas mais controlado: é aqui que nos encontramos nesse momento. A Redução de Danos vem como um movimento essencial para reduzir vulnerabilidades nessa jornada – afinal, o uso seguro de substâncias em contextos de festa e celebração é assunto sério e pode salvar vidas!
A presença de coletivos de RD dentro do contexto de uso, principalmente em festivais, é um assunto que não pode ficar de fora quando falamos na vida de usuários e usuárias atualmente. Uma coisa é você ler informações na internet, mas outra bem diferente é você estar no ambiente e ter pessoas fisicamente disponíveis para bater um papo aberto sobre drogas, com uma abordagem totalmente não proibicionista, e ainda ter um espaço para dar conta de alguma situação negativa – caso alguém passe por alguma dificuldade em decorrência do uso de substâncias.
O mais interessante é que, por entender a complexidade do fenômeno que é o uso de drogas, a Redução de Danos assume diferentes frentes para se inserir em nossas rotinas. Trabalhos de prevenção, testagem de substâncias e até mesmo o acolhimento em caso de experiências desafiadoras fazem parte da RD no contexto de festas e podem preservar a integridade física e mental de quem consome psicoativos.
Aqui, vamos falar um pouco mais sobre essa realidade – além de trazer nossas dicas especiais para deixar seus festejos ainda melhores e mais conscientes. Vamos lá?
Vem com a gente nessa trip!
Redução de Danos: um conceito amplo
Quando falamos em Redução de Danos, podemos pensar em muita coisa: ela vai desde a piteira longa em nosso beck até a construção de políticas públicas menos punitivas e mais informativas e acolhedoras para o usuário.
Como já falamos por aqui, a RD parte do pressuposto de que “bem ou mal, as drogas lícitas e ilícitas fazem parte desse mundo e escolhe trabalhar para minimizar seus efeitos danosos ao invés de simplesmente ignorá-los ou condená-los” (Harm Reduction Coalition, 2002-2003). Os princípios básicos da Redução de Danos ecoam num movimento social que visa a justiça, respeito e a garantia de direitos aos usuários de drogas.
Um dos braços da Redução de Danos é justamente o relacionamento com usuários e usuárias, em uma aproximação mais aberta, voltada não apenas ao diálogo, mas também à distribuição de materiais voltados à prevenção e ao cuidado dentro das próprias experiências nos contextos de uso mais comuns – como as festas.
Redução de Danos em contextos de festa
Quando falamos sobre essa abordagem no Brasil, é impossível não citar o ResPire. O projeto nasceu em 2010 dentro do Centro de Convivência É de Lei, levando a abordagem da Redução de Danos para o contexto das festas. Tudo isso começou quando o coletivo Balance, em 2008, chamou alguns redutores de danos do Centro de Convivência É de Lei para que fossem conhecer esse trabalho de informações e cuidado em relação ao uso de substâncias no contexto de festas na Bahia.
No ResPire, são realizadas ações com o objetivo de reduzir efeitos considerados negativos após o consumo de drogas – como as famigeradas “bad trips”. Além disso, suas estratégias visam:
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desenvolver um vínculo com usuários;
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promover estratégias de autocuidado;
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realizar a prevenção e promoção de saúde dentro do ambiente, para diminuir as vulnerabilidades e a transmissão de DSTs.
Nem sempre os frequentadores das festas têm acesso a informações confiáveis sobre as substâncias que costumam consumir, ou como reduzir os possíveis danos causados por elas. Com a disseminação de informações sobre como realizar um uso mais seguro, há uma queda nas situações de risco – já que o uso se torna mais consciente.
Nas festas (principalmente festivais de música eletrônica), os redutores de danos do ResPire montam um InfoStand, onde promovem debates e conversam abertamente sobre o uso de drogas. Essa conversa se dá livre de julgamentos e opiniões moralistas, ao contrário do cenário que costumamos encontrar em nosso cotidiano. Os frequentadores podem trocar conhecimentos sobre as diferentes substâncias, refletir sobre as formas de uso, quantidade e dosagens, e diversos outros aspectos. Isso possibilita a prevenção de usos que representem maior risco para o sujeito!
Quais são as frentes da RD em contextos de festa?
Cada coletivo conta com suas diretrizes internas, mas, de forma geral, o trabalho do redutor de danos se dá no vínculo e acolhimento a usuários.
Essa relação é pautada numa conexão ética e com respeito ao usuário em relação às suas escolhas, principalmente a de consumir as substâncias.
Dentro disso, temos alguns alicerces principais, que são:
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O relacionamento através da prevenção de possíveis danos nas mais diversas esferas;
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A testagem de drogas e feedbacks para usuários;
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O cuidado direto em momentos de uso para mitigar crises, quando elas acontecem.
Vamos falar um pouquinho mais sobre cada um deles?
Prevenção através da informação
Um dos passos fundamentais da Redução de Danos em contextos de festa é o trabalho voltado para a prevenção – e ele começa justamente com a educação do usuário ou usuária. Geralmente, ele conta com a distribuição de materiais gráficos gratuitos com informações sobre diversas drogas comumente presentes nesses ambientes, como:
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Anfetaminas;
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LSD;
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Inalantes
Esses materiais normalmente buscam empoderar usuários através da informação, dando conta de explicar os efeitos e a metabolização de cada substância, os riscos que elas podem oferecer (inclusive quando misturadas) e dicas para reduzir danos relacionados aos seus mais diversos usos. Um dos mais interessantes é justamente a tabela de interação de drogas, que você pode conferir aqui – recomendamos salvar para consultar sempre que necessário:
Além disso, existem kits especiais com materiais pensados especialmente para oferecer um uso mais seguro de substâncias – como é o caso do Kit Sniff. Ele é composto por um preservativo, um cartão informativo com instruções para reduzir a vulnerabilidade à transmissão de hepatites B e C, uma superfície metálica e limpa para “esticar” a droga que será consumida, um bloco com folhas para enrolar canudos e um canudo de silicone. Seu principal objetivo é evitar o uso de materiais contaminados e também o compartilhamento de canudos entre usuários.
Esse tipo de ação é super especial e pode ser acompanhada desde o início da Redução de Danos – que se desenvolveu através dos cuidados, pensados de usuários para usuários, focando na prevenção de doenças, principalmente o HIV, a AIDS e hepatites. Na época, eram distribuídas seringas para uso seguro de substâncias injetáveis.
Testagem de substâncias
A testagem de substâncias é uma vertente muito importante da Redução de Danos, e não apenas em contextos de festa – ao redor do mundo, podemos encontrar centros de testagem com as mais altas tecnologias. Elas visam proteger usuários de drogas adulteradas e possivelmente perigosas, e são uma arma muito potente na prevenção de overdoses.
Por conta do proibicionismo e das limitações que ele impõe aos cuidados com usuários, é difícil encontrar centros de testagem no Brasil – normalmente, isso só acontece quando passa pela perícia. Entretanto, contamos com kit de reagentes, como os da Reaja BR, que mostram se determinado princípio ativo está realmente nas amostras que serão usadas ou não. É um método que possui limitações: com ele, você nunca sabe exatamente o que tem dentro da sua droga, pois o resultado mostra somente a presença ou ausência do princípio ativo, mas nunca sua concentração exata ou outros adulterantes.
Embora seja limitada, a testagem tem lá suas vantagens interessantes: ela funciona como uma ótima isca da Redução de Danos. Ao oferecer serviços de teste, você pode “pescar” alguém que não estaria necessariamente interessado em conversas sobre Redução de Danos, apenas em saber os resultados referentes a sua amostra. A partir disso, é possível construir diálogos sobre manejo, uso, auto-observação, dosagens…
Tudo tem a ver com a conversa e com a forma na qual o feedback da testagem é passado para os indivíduos.
Quanto a esse tipo de testes, temos apenas um adendo fundamental: infelizmente, os resultados são muito incertos para garantir a segurança de um usuário ao utilizar a substância testada (ou seja, o teste pode dar uma sensação de falsa segurança, que não é saudável na hora do uso). Mesmo com a testagem, é preciso ter responsabilidade na hora de usar!
Por isso, um redutor de danos deve sempre expressar a limitação da testagem para não passar nenhuma sensação de completa segurança para os usuários. Para saber exatamente o que tem dentro da sua substância, são necessários equipamentos bastante tecnológicos, como máquinas de cromatografia gasosa utilizada pela perícia na hora de testar as drogas que foram pegas. Ele também deve indicar as formas mais seguras de utilização – expressando, em seu feedback, esse lado bastante variável da situação.
Cuidados para os “viajantes”
Como já falamos antes aqui no blog, o apoio dos famigerados “trip sitters” é muito importante dentro da Redução de Danos! Espaços dentro de festivais, como o InfoStand, também podem ser utilizados para o acolhimento de pessoas que estiverem passando por experiências negativas devido ao uso de substâncias. No caso do ResPire, esse serviço é chamado de “S.O.S. Psicodélico”, que pode ser essencial para conter surtos e diminuir vulnerabilidades.
O espaço reservado para os cuidados de pessoas que estejam passando por experiências difíceis devido ao uso de substâncias conta com esteiras, almofadas e cobertores, e apoio da equipe de plantão, para que seja um ambiente aconchegante e confortável para dar continuidade a sua viagem de um melhor jeito. Esse trabalho também pode ser chamado de acompanhamento terapêutico e é adaptado para cada situação específica; ajudar a ir ao banheiro, encontrar os amigos e até mesmo respirar em momentos mais desafiadores
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É importante ressaltar que o diálogo com o posto médico é sempre presente. Se os sinais vitais não estiverem ideais, o indivíduo precisa ser levado para o posto médico mais próximo!
O objetivo do redutor de danos em relação àqueles que passam pelos seus cuidados é de fomentar a autonomia desse indivíduo, estimulando seu autocuidado e também daqueles que estão ao seu redor. Nesse sentido, o frequentador aprende dicas importantes para reduzir os danos em relação ao uso de substâncias e passa esse conhecimento para seus pares, de modo que esse conhecimento vai se multiplicando.
No caso do É de Lei, esse serviço é oferecido por uma equipe multiprofissional de redutores de danos, com diferentes experiências e formações profissionais (Psicologia, Antropologia, Ciências Sociais, Farmácia/Bioquímica, Enfermagem, Biologia), alguns frequentadores da cena eletrônica, tendo como principais valores: Bem-estar, Temperança, Autonomia, Liberdade, Prevenção, Responsabilidade, Respeito, Antiproibicionismo e Equilíbrio.
Todas essas pessoas são treinadas para manejar crises com muito jogo de cintura e não se deixar abalar pelas situações apresentadas – que podem ser muito desafiadoras não apenas para o usuário, mas também para a equipe responsável pelo seu bem-estar. Também é interessante ressaltar que o trabalho de um trip sitter ou acompanhante terapêutico não é guiar a viagem, e sim acolher e tornar qualquer experiência mais segura. Acreditamos que mesmo as chamadas bad trips podem ser importantes para nos percebermos e conhecermos nossos corpos em relação a diferentes substâncias e concentrações!
Dicas das Girls para reduzir danos em festas
Aqui, Florzine deu a letra sobre o que fazer para reduzir danos em contextos carnavalescos – e muito do que ela disse também pode ser estendido para outros tipos de festas. Vamos retomar algumas das principais dicas para que você possa aproveitar suas experiências de uma maneira mais segura:
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Tenha sempre uma garrafinha de água fresca à disposição. Muitas drogas têm como efeito colateral o aumento da temperatura corporal e podem causar desidratação, então beba muito líquido – mesmo se não tiver vontade.
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Leve sempre algo para comer, e se alimente bem antes, durante e depois do uso. Dê preferência para refeições leves e mais naturais. Um pouco de salada, um pouco de droga – a vida é feita de equilíbrio, né não?
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Use e abuse de insumos da Redução de Danos, como piteiras longas, canudos descartáveis limpos e outros materiais que tragam segurança na hora do uso de drogas. Eles são fundamentais para proteger o seu corpo de doenças transmitidas por troca de fluidos corporais, ou outros danos específicos da substância que você está consumindo.
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Se for ter relações sexuais, não esqueça da camisinha! A gente sabe que o uso de substâncias pode afetar a sua tomada de decisão, mas é sempre importante lembrar da responsabilidade nesses momentos para prevenir ISTs, DSTs, HIV, hepatites e outras doenças sexualmente transmissíveis.
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Se possível, teste suas substâncias e procure por uma equipe de Redução de Danos em caso de dúvidas.
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Saber os seus direitos também é uma estratégia de redução de danos, principalmente se rolar uma abordagem policial. Seja educado e, se rolar abuso de autoridade, peça para que gravem ou filmem.
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Evite misturar as substâncias. Saiba os seus limites e sempre preste atenção aos sinais que o seu próprio corpo emite. Vamos ficar longe da Perda Total, galerinha!
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Se a festa for a céu aberto, lembre-se do cuidado com as condições climáticas! Passe protetor solar, mesmo que esteja nublado, e leve uma capa de chuva com você.
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Procure não andar sozinha ou sozinho. Combine de ir e permanecer com as migas e os migos no caminho de ida e volta também. Estabeleça também um ponto de encontro seguro para caso vocês se percam!
E aí, gostou dessas informações? Mesmo na curtição, a responsabilidade é mais do que necessária. Você já presenciou o trabalho de uma equipe de Redução de Danos?
Conte aqui para a gente nos comentários e não esqueça de nos seguir no Instagram @girlsingreen710 para mais dicas úteis.
Até a próxima, e boas festas!