Enquanto muitos acham que é simples ser imigrante e trabalhar no mercado da maconha em outro país, a realidade é bem mais desafiadora. Aqui, vamos trazer um apanhado de experiências para ilustrar melhor esse cenário!
Quando pensamos na Califórnia, o que vem à mente é o paraíso canábico e as oportunidades de trampo com a plantinha. O que poucos avisam é que a realidade está bem longe do país das maravilhas pintado por aí. Enquanto esse universo é bem famoso e diversos imigrantes saem de seus países para tentar a sorte (e ganhar grana) por lá ou em outros estados legalizados, existem muitas experiências desafiadoras no meio do caminho e cuidados quando você pensa em trabalhar com maconha nos Estados Unidos.
Em épocas de colheita, as cidades onde existem muitas fazendas ficavam lotadas de imigrantes — parecia uma festa internacional. Isso acontecia ainda mais quando a maconha ainda não era 100% legal para uso adulto. Até 2017, não havia uma regulamentação do trabalhador canábico. Hoje, já existem mais diretrizes, o que acaba minando um pouco as oportunidades para quem é de fora.
Além disso, esse rolê exige discrição máxima. O risco de ser deportado e praticamente banido de voltar ao país é gigantesco para aqueles que não tomam as devidas precauções. Outros problemas envolvem a ilegalidade do trabalho, a possibilidade de assédio (não apenas sexual) por parte dos empregadores, e o fato de que, se qualquer coisa acontece, o imigrante não tem muito a quem recorrer.
Aqui, vamos fazer um apanhado geral de experiências, nossas e de pessoas próximas, com os maiores desafios e perrengues que envolvem a vida do trimmigrant — como é chamado o imigrante que vai trimar nas fazendas de maconha. Vem com a gente!

Como as pessoas vão trimar na Califórnia?
Acho que uma das perguntas que mais recebemos é essa, tanto no Instagram do Girls in Green quanto nos pessoais (pelo menos é o caso da redatora que vos fala). Mas não existe apenas uma resposta para isso: existem centenas de fazendas diferentes, e é difícil fazer indicações. Normalmente, as indicações são feitas mais no boca a boca e por amigos ou amigas próximas — afinal, é muito difícil recomendar o trabalho de alguém que a gente não conhece, né?
O norte da Califórnia, principalmente os condados de Humboldt, Mendocino e Trinity, é um dos principais destinos para quem deseja trabalhar trimando em fazendas verdejantes e cheias de tricomas que brilham ao sol. Como trabalhar legalmente requer uma burocracia danada, incluindo um visto especial, a maior parte das pessoas parte para o trabalho irregular nesses lugares.
As rotinas e políticas de trabalho podem variar:
- Normalmente, as plantas são trimadas e pagas por peso (pound), o que significa que quanto mais você trima, mais você ganha. Em outros trabalhos, você pode ganhar por hora.
- Geralmente, você pode fazer os seus horários — mas existem lugares menos flexíveis.
- Algumas fazendas contam com alojamentos e cozinhas. Em outras, é cada um por si: você dorme no carro ou em uma barraca, e tem que levar seus lanchinhos.

Quanto normalmente um trimmer ganha?
Como falamos ali em cima, quanto um trimmer ganha depende do quanto ele consegue trimar. Geralmente, os trabalhadores são pagos pelo pound de erva que cortaram — que fica entre um e três por dia de trabalho.
A média de pagamento na Califórnia fica entre 150 e 200 dólares por pound. Ou seja: um trimmer com bastante habilidade pode ganhar uns 600 dólares por dia, e é isso que torna o trampo tão cobiçado por muitos imigrantes.
Em média, os trabalhos de corte com salários por hora pagam entre 12 e 15 dólares por hora. Obviamente, a taxa por hora varia de acordo com a instalação de cultivo e o estado em que você está trabalhando.
Com base nos dados salariais de 2019 do Marijuana Business Daily, os trimmers do Colorado ganham mais por hora do que aqueles na mesma posição no estado de Washington e na Califórnia. Na verdade, um trimmer experiente no Colorado pode ganhar cerca de 2 mil dólares a mais ao longo de uma temporada do que os trimmers em Washington ou na Califórnia.
Qual a melhor época para ir trimmar?
Existem cultivos com ciclos fechados — ou seja, onde rola colheita em qualquer época do ano. Mas, normalmente, a temporada na qual existem mais oportunidades é entre setembro e novembro, quando a maior parte das fazendas está realizando suas colheitas e secando seus buds.

Os riscos de ser trimmigrant
Embora os benefícios ($$$) pareçam bons demais, como boas adeptas da Redução de Danos, não podemos deixar de falar dos riscos. E, bem, são vários. Quando olhamos para a realidade do imigrante que vai trabalhar ilegalmente nas fazendas canábicas, precisamos também falar de:
- Taxas de deportação e riscos associados;
- Questões de classe social e de cor;
- Vulnerabilidades de gênero;
- Falta de garantias de pagamento.
Antes da regulamentação do uso adulto da maconha, tínhamos um mercado que não era regulado e aceitava imigrantes porque muitos americanos não queriam se envolver com esse tipo de trabalho. Assim, os imigrantes que chegavam encontravam muitas vezes trabalhos em situações análogas à escravidão.
E, embora isso tenha mudado substancialmente nos últimos anos, não é raro se deparar com situações complicadas como trimmigrant. Isso é agravado pela falta de respaldo para os trabalhadores ilegais, que não podem nem ao menos recorrer à polícia (não que a gente, que é brasileiro, já não esteja acostumado com esse problema).
Por exemplo: não é raro situações de xenofobia e racismo nas fazendas. Afinal, você está nos Estados Unidos e é latino(a), independente da cor da sua pele dizer isso ou não.
De mulher pra mulher…
Se o cenário já é difícil para os homens, para as mulheres que buscam esse tipo de trabalho é ainda mais assustador. Nossas vulnerabilidades são muitas, e estar sozinha nesses ambientes pode sim significar violências e assédio — das mais diversas formas.
Uma experiência própria (e maluca) foi abrir o Tinder na Califórnia. Nele, é possível encontrar vários perfis de homens em busca de trimmers. O discurso é sempre o mesmo: uma oportunidade de ganhar uma grana “fácil” trabalhando com cannabis é extremamente atrativo. Mas a verdade é que eles estão ali para selecionar as mulheres mais bonitas que estejam dispostas a fazer esse trampo.
O dinheiro pode até aumentar se você aceitar trimar seminua, ou em condições mais degradantes.
É o que sempre dissemos: o mercado da cannabis está longe de ser cabeça aberta e livre de machismo.

Murder Mountain: o que é mito e o que é real?
Se você tem Netflix, já pode ter assistido a série documental Murder Mountain. Ela conta vários casos de pessoas que foram para Humboldt trabalhar em fazendas de cannabis e nunca mais foram vistas.
Sim, tem muito sensacionalismo. Mas também tem a parte real (e bem problemática). De acordo com o California County News, uma média de 717 pessoas por 100.000 desaparecem no condado de Humboldt todos os anos — a maior taxa de pessoas desaparecidas per capita no estado da Califórnia. Se você der uma volta por Garberville, é impossível não notar a quantidade de cartazes estampados com rostos de homens e mulheres que nunca mais foram vistos por lá. Muitos desses casos estão relacionados a fazendas irregulares de maconha.
Não é difícil entender o motivo pelo qual a combinação de falta de leis, vulnerabilidades e uma quantidade grande de armas pode dar tão errado. Embora exista muita gente que se dá bem por lá, nem todo mundo tem essa sorte.
Você pode ser deportado ao trabalhar com cannabis
Federalmente, a maconha ainda não é legalizada nem regulamentada nos Estados Unidos. Então, se você trabalha na indústria, mesmo que legalmente, o governo pode declará-lo inadmissível porque tem motivos para acreditar que você participa do tráfico de drogas. Além disso, os trabalhadores de maconha podem ser considerados inadmissíveis por admitir um delito de substância controlada, como manipular ou preparar maconha.
De acordo com o Manual de Relações Exteriores do país, você pode ser considerado inadmissível sob as disposições de segurança nacional e terrorismo por “viajar para os Estados Unidos exclusivamente, principalmente ou incidentalmente para se envolver em ‘qualquer outra atividade ilegal’”. Intenção de se envolver com a indústria da cannabis está listada como uma atividade ilegal qualificada — ou seja, eles podem nem te deixar entrar no país se chegarem a conclusão de que você está indo para tais finalidades.
De acordo com o Manual de Políticas do USCIS, empregos nesse mercado (como a admissão de conduta) são uma barreira para estabelecer o bom caráter moral necessário para a naturalização, mesmo que seja legal sob a lei estadual.
Ou seja: se ser pego trabalhando sem visto de trabalho já pode te meter em sérios apuros, ser pego trabalhando com cannabis é ainda pior.
Trabalhar com maconha sendo imigrante não é tão glamuroso assim. Para nós, o mercado legal não tem tanto espaço — e o ilegal vem sempre sem garantias e cheio de riscos. Portanto, se a sua vontade é ser trimmigrant, meça os prós e contras e faça um planejamento extenso para não acabar se metendo em uma saia justa longe do seu país, da sua família e da sua rede de apoio. Todo cuidado é pouco.
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Até a próxima!
É…capitalismo fode até com a maconha. Excelente matéria, vou me aprofundar sobre o tema.