Cultura

A situação política da cannabis no Brasil

Hoje vamos falar um pouquinho sobre a situação política da cannabis no Brasil atualmente, quais são as leis vigentes e como ter acesso à cannabis medicinal 

Para falar de política, precisamos primeiro retomar e entender um pouquinho sobre história. A história da maconha é bem extensa. O uso da maconha e dos derivados de cânhamo existe desde o surgimento da humanidade. O cânhamo era a matéria prima para tantas coisas antes do proibicionismo! Tecidos, combustíveis e até as velas das primeiras embarcações que chegaram no Brasil tinham cânhamo em sua composição.

Flor de maconha
Flor de maconha

A história da maconha

Toda a região de influência muçulmana conhecia essa planta especial, assim como a Ásia central e a Índia. Há registros do uso religioso em alguns países como a Índia.  Não há nenhuma referência a cannabis no Corão ou na Suna, porém a farmacopeia árabe aconselha seu uso para diversos fins. Inclusive, em farmácias típicas do Marrocos, ainda é possível encontrar arnica com cannabis artesanal e é ótimo para dor! Na literatura também temos alguns exemplos de personagens que usaram a substância, como a dama de Mil e uma noites.

A primeira vez que a constituição brasileira proibiu uma substância psicoativa foi em 1830, com a proibição da maconha. O que nos chama a atenção é que a maconha não era uma questão de saúde pública no Brasil, era longe de ser uma substância popular no país, mas o contexto histórico nos faz entender o motivo da proibição.

No censo de 1849, o Rio de Janeiro tem a maior população escrava negra das Américas e com a abolição da escravidão os negros passaram a formar contingentes. Apesar da escravidão ter sido proibida, os ex-escravos não tinham acesso aos mesmos direitos e oportunidades que os emigrantes brancos e elites. A dificuldade de arrumar trabalhos remunerados era um desafio, mas não o único. A aristocracia desejava abolir toda forma de expressão cultural afro-descendente.

No mesmo censo em que a maconha foi proibida, o candomblé, a capoeira e estar na rua tocando samba foram considerado crimes. O uso da maconha foi associado a uma cultura, a hábitos específicos, eram as coisas que “os negros faziam”, foi uma proibição com um cunho político e racial, com um objetivo de manter controle sob uma população. Não foi uma  questão de saúde pública.

O ópio e a cocaína eram drogas utilizadas pela elite, por esse motivo só vieram a ser preocupação no Brasil depois da Convenção Internacional do Ópio, em 1912. A partir desse momento a política brasileira de drogas passa a enxergar o usuário como um doente e usa práticas higienistas para combater o uso de drogas. Mesma data em a proibição da maconha se torna uma discussão internacional.

No Brasil, a proibição em território nacional entrou em vigor em 1932 com o decreto 2930, que passava a penalizar também o usuário, porém, diferenciando o uso do crime de tráfico. Outra questão do Decreto-Lei 891/38 é que a toxicomania foi estabelecida como uma doença compulsória, tratando de internação civil e interdição dos usuários. Nos Estados Unidos, país pioneiro com os ideias proibicionistas, a maconha só se tornou proibida em 1937.quando o presidente Franklin Roosevelt cria o Marijuana Tax Act, lei que proibia o cultivo e comercialização dos derivados da maconha em solo americano.

Faixa da Luta anti manicomial
Luta anti manicomial

Afinal, a maconha é descriminalizada no Brasil?

Atualmente está em vigor no Brasil a lei Nº 11.343, de 23 de agosto de 2006. Tal lei institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad) e determina medidas de prevenção do uso indevido de drogas, assim como normas para a repressão, produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas. O Art. 33. proíbe Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar;

Internacionalmente, muitos enxergam o Brasil como um país onde as drogas são descriminalizadas, já que realmente foi um grande avanço na lei de 2006 não penalizar criminalmente usuários de droga, mas há uma falha na lei de drogas brasileira, não é determinado uma quantidade que diferencia usuário e traficante.

Isso abre brecha para interpretações do judiciário, que leva em consideração argumentos socioeconômicos e também raciais para decidir se aquela pessoa seria um usuário ou traficante. Segundo dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública fornecidos pelo sistema de informações estatísticas do sistema penitenciário brasileiro, os presos por crimes relacionados a drogas corresponde a  20% do total de presos no Brasil. Já os pardos representam 50% dos presos e o os negros, 16%. Tais dados nos mostram que o encarceramento em massa está muito relacionado com a lei de drogas, e no geral, é um encarceramento em massa da população negra e parda.

Além da lei Nº 11.343, outra droga que afeta diretamente os usuários de maconhas e outras drogas ilícitas, é a lei sobre internação em clínicas psiquiátricas. Como já vimos, desde da proibição da maconha no Brasil, o uso de drogas é visto como uma doença psiquiátrica e isso não mudou com o passar do anos. Atualmente está em vigor a lei  Nº 10.216/2001, que prevê três tipos de internação (Art. 6o): a lei de Internação voluntária, que se dá com o consentimento do usuário e dois tipos de internação involuntária.

  1. Internação involuntária, que se dá com o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e

  2. Internação compulsória, aquela determinada pela Justiça.  

A internação involuntária pode ser solicitada por qualquer parente ou cônjuge. O pedido familiar não precisa de autorização judicial, há apenas a necessidade de análise do médico da clínica privada ou do Sistema Único de Saúde (SUS) e cabe à unidade hospitalar informar o Ministério Público. A internação compulsória ocorre quando o Estado considera necessária a internação, mas não há nenhum pedido familiar, esse tipo de internação involuntária acontece desde 1934 e nos mostra como as leis brasileiras estão atrasadas.

Dentre as clínicas psiquiátricas estão as clínicas de reabilitação e elas funcionam na atualidade como os antigos manicômios, onde os usuários de droga são tratados com a mesma brutalidade que as pessoas internadas por distúrbios mentais no século passado. Um questão sobre a internação e a lógica das clínicas é que o usuário é retirado do seu meio e é forçado a parar com o uso de drogas, mas quando ele volta para o mesmo contexto o uso costuma ser recorrente.

Entretanto a internação compulsória não afeta apenas usuários em situações extremas de vulnerabilidade ou que façam poliuso de drogas. Algumas famílias mais conservadoras e/ou religiosas consideram o uso de maconha tāo problemático a ponto de justificar a internação de um ente em uma clínica, e por lei, o usuário não tem escolha de decisão. Entre os pilares da Redução de Danos está a autonomia do usuário, por isso a luta por uma lei de drogas mais justa e a pautada na política de Redução de Danos está muito associado com a luta antimanicomial e outras formas de lidar com o uso abusivo de drogas.

Ativistas na Marcha  da maconha em São Paulo
Marcha da maconha em São Paulo

Movimentos políticos atuais

A repressão ainda existe no Brasil, mas o movimento político e a luta por uma política de drogas mais justa, assim como um maior acesso à informação, e principalmente a maconha medicinal para todas as pessoas existem também e, cada vez mais forte.

Temos, por exemplo, a Marcha da Maconha, que é um movimento democrático, sem liderança hierárquica, formada por diversos coletivos diferentes. A Marcha é um espaço para debater e aprender sobre maconha conquistado através de muita luta. Em 15 de junho de 2011 o Supremo Tribunal Federal decidiu, por unanimidade a legitimidade da manifestação por meio da Arguição de descumprimento de preceito fundamental, entendendo que a Marcha não faz apologia ao crime e que sua proibição é uma ameaça à liberdade de expressão, garantida pela constituição.

E a luta não parou em 2011, ao contrário! Os movimentos políticos ganharam voz e a discussão para uma reformulação nas políticas públicas de drogas no Brasil se tornou uma realidade federal. Desde 2011 o Senado Federal e a Câmara dos Deputados totalizam 21 propostas sobre o tema. Em 2014 a Anvisa autorizou a importação de remédios à base de maconha e trouxe à tona a discussão em torna da cannabis medicinal.

Estamos aguardando a decisão do Senado sobre o projeto de lei, que visa a regulamentação da maconha medicinal e do cânhamo industrial no Brasil. A Rede Brasileira de Redução de Danos e Direitos Humanos (Reduc) criou a sugestão (SUG 6/2016), aprovada pela comissão de Direitos Humanos em setembro de 2019.

O PL têm seis artigos e descriminaliza o semeio, cultivo e colheita da cannabis sativa para uso pessoal terapêutico. O “marco regulatório”, como conhecido o projeto de lei, prevê que toda a regulamentação da legalização seja responsabilidade de uma autoridade agrícola do Estado.

Na Câmara, corre um projeto de autoria do deputado Fábio Mitidieri (PSD-SE), para regulamentar o comércio de medicamentos que contenham extratos, substratos ou partes de planta Cannabis.

Uma legalização de drogas para reformular estruturas

Como vimos a proibição de drogas afeta principalmente a população negra e mais pobre do Brasil. Por isso queremos pensar em uma legalização que reformule essa estrutura de políticas públicas. Esperamos a legalização da maconha terapêutica/medicinal, assim como o comércio dos medicamentos a base de cannabis, mas também esperamos políticas públicas inclusivas e reparações sociais para mitigar os danos da guerra às drogas.

Em uma perspectiva inclusiva o acesso aos medicamentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) seria uma política pública importante. Pensando numa perspectiva de reparação social e histórica é preciso reavaliar a prisão de indivíduos por uso ou porte de maconha. As associações também podem ser uma ótima alternativa pensando na autonomia dos usuários para ter acesso a maconha, assim como também o autocultivo.

Bibliografía

Publicações impressas

DELMANTO, Júlio. Camaradas caretas: a esquerda e as drogas. São Paulo: Alameda, 2015.

ALVES, Ygor. Jamais fomos zumbis: contexto social e craqueiros na cidade de São Paulo. 2015. 256 f. Dissertação (Doutorado em Antropologia) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015.

Periódicos

https://sechat.com.br/exclusivo-nao-tem-mais-como-fugir-diz-deputado-autor-de-pl-que-autoriza-remedios-com-maconha-no-brasil/

Portais oficiais

http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen

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