O redutor de danos é quem garante a educação, o acolhimento e o cuidado em liberdade para usuários e usuárias de substâncias. Venha conhecer melhor esse trabalho e os motivos pelos quais ele deve ser regulamentado!
Se você frequenta festivais de música eletrônica, pode já ter visto ou até visitado um estande de Redução de Danos. Mas se engana muito quem pensa nessa política apenas em contextos de festa: embora também tenha uma enorme importância dentro delas, a RD também precisa estar no Sistema Único de Saúde (SUS), se aproximando de comunidades e populações vulneráveis que necessitam de acolhimento. É aí que entram os redutores de danos e os seus inúmeros papéis.
Mas, se a Redução de Danos já é uma temática bastante nebulosa para muita gente (que vê suas ações erroneamente como uma espécie de “apologia ao uso de drogas”), quando o assunto é o profissional da área, poucos sabem o que ele faz, qual é a sua formação e quais são as possibilidades de desenvolvimento quando se escolhe atuar como tal. Muito disso acontece pelo desestímulo que parte através dos próprios governantes e da temível onda conservadora que tomou conta do país, que colocam a abstinência como única opção plausível para usuários e usuárias de substâncias.
Nós sabemos: existe um mundo todo além disso, e é possível trabalhar através de uma ótica muito mais humanizada. Aqui, vamos contar a você um pouco mais sobre a importância não apenas da RD, mas também da regulamentação e de um entendimento mais profundo das funções de seus profissionais – que podem vir dos mais diversos contextos.
Bora trazer uma luz para esse tema?

O que é Redução de Danos?
Desde que a política proibicionista tomou conta do mundo, com a Guerra às Drogas e o punitivismo provocado por ela, os indivíduos usuários de substâncias tiveram que buscar, à sua própria sorte, maneiras de sobreviver não apenas aos riscos relacionados à sua saúde – mas também aos que a sociedade os impõe. A partir daí nasce a Redução de Danos: uma proposta de cuidado em saúde, iniciada pelos próprios usuários, que busca a redução de riscos e danos em relação ao complexo fenômeno do consumo de drogas, sejam elas ilícitas ou não.
Esse método de cuidado vai muito além da visão simplista de que, para combater o dano das drogas, é preciso acabar com o uso de drogas em si. Afinal, a gente sabe que a visão de uma sociedade livre do consumo de substâncias é uma utopia inalcançável – os seres humanos sempre buscaram estados alterados de consciência, desde que o mundo é mundo, e negar isso também é negar uma parte de nossa natureza.
Por isso, um dos principais objetivos da RD é o empoderamento do indivíduo como agente de sua própria história. As estratégias de Redução de Danos adotadas pelos usuários devem sempre fazer sentido dentro de suas realidades, por isso podem ser diversas e moldadas a partir da subjetividade.
Segundo Elisangela Melo Reghelin, a RD:
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“é uma ‘política social que visa minorar os efeitos negativos do uso de drogas”;
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“é uma política de prevenção dos potenciais danos relacionados ao uso de droga, em vez de tentar prevenir o próprio uso de droga”;
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“baseada em princípios de saúde pública, a redução de danos oferece um conjunto de estratégias pragmáticas, ainda que providas de compaixão, que são desenhadas para reduzir as consequências danosas do comportamento aditivo, tanto para consumidores quanto para as comunidades nas quais eles vivem”.
Qual o papel do redutor de danos?
Para um Redutor de Danos, deixar de lado todas as suas convicções e julgamentos morais é fundamental para a formação de vínculo com os indivíduos, para possibilitar:
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reflexões e discussões sobre o uso de drogas e suas possíveis consequências, sejam positivas ou negativas;
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despertar no outro a adoção de estratégias de autocuidado, de meios para a melhoria em sua qualidade de vida e até mesmo a inserção do usuário em algum programa de saúde, se ele quiser.
Por isso, entendemos que o papel do redutor de danos é, de uma maneira geral, promover ações nos mais diversos âmbitos para combater o estigma e a vulnerabilidade social ainda prevalecentes em relação a usuários e usuárias de substâncias. Isso pode ser feito através das mais diversas técnicas, que vão desde as conversas com o próprio usuário até ações coletivas de educação e conscientização, como palestras, oficinas e distribuição de materiais físicos, cartilhas ou até insumos para um consumo mais seguro.
Como é uma relação baseada no cuidado, muitas vezes ela vem de uma perspectiva mais relacionada à medicina ou mesmo à psicologia. Mas nem só o psicólogo ou o médico curam: pessoas com grande empatia, compreensão e poder de diálogo, por exemplo, podem se profissionalizar nesse ambiente.

Também precisamos lembrar que, embora hoje seja considerada uma abordagem de saúde pública, a Redução de Danos surgiu a partir dos próprios usuários – o que reforça ainda mais o fato de que não é necessário ser formado em uma faculdade específica para fazer parte da área.
Podemos usar como exemplo o próprio É de Lei, o primeiro centro de convivência para usuário de drogas criado em São Paulo, em 1998. O projeto é composto por um equipe multiprofissional de redutores de danos, com diferentes experiências e formações, como:
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Psicologia;
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Antropologia;
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Ciências Sociais;
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Farmácia;
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Bioquímica;
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Enfermagem;
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Biologia;
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Frequentadores da cena eletrônica;
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Usuários e usuárias.
Para entender o que é a regulamentação profissional
Podemos dizer que as profissões não regulamentadas são reconhecidas pela ordem jurídica, mas não existe a necessidade de uma formação específica e nem uma legislação específica a seu respeito. Já profissões regulamentadas são regidas por uma lei própria, que estabelece pontos muito importantes, como:
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deveres dos profissionais;
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critérios de qualificação;
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bases para remuneração;
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fiscalização da atividade profissional.
E por que regulamentar a RD?
A regulamentação é justamente uma forma de proteger a profissão e os seus profissionais, garantindo não apenas seus direitos, mas também as diretrizes necessárias para o seu trabalho. Porque a Redução de Danos conta com um leque enorme de possibilidades – mas são poucas as pessoas que sabem dizer quais são elas!
A psicóloga e redutora de danos Sabrina Mertens nos explica exatamente isso: “entendo que, quando a gente fala sobre a regulamentação, estamos abrindo portas para ampliarmos a teoria e a prática dentro desse campo”. Para ela, a RD é uma forma de resistência e ação política, e colocar as diretrizes desse trabalho no papel é uma maneira de dar respaldo a tudo o que é feito, e, como Mertens coloca, “uma forma de criar um compromisso ético-político em defesa dos nossos direitos”.

Atualmente, já vemos tentativas extremas de acabar com essa política. Em 2019, por exemplo, o Governo Federal decretou fim da Redução de Danos como metodologia de cuidado na saúde pública. O redutor de danos Bruno Logan ressalta que o atual presidente, Jair Bolsonaro, e toda a sua administração têm feito de tudo para criminalizar as práticas da RD. “Precisamos de um parágrafo inteiro da lei de drogas só pra falar da RD e sua prática, me parece, para que não haja mais dúvida que o que fazemos não é crime, não é apologia (o que é claro), mas para que não haja brechas para essa galera distorcer”, opina.
No ano passado, a Câmara de Vereadores de Salvador debateu a formalização da profissão de redutor de danos. A audiência pública foi promovida pela Comissão de Direitos Humanos e de Defesa da Democracia Makota Valdina, presidida na ocasião pela vereadora Marta Rodrigues (PT/BA). Sua expectativa é que a regulamentação entre no próximo Plano Plurianual (PPA) da capital baiana – e a nossa é que a ideia se espalhe pelo país e se torne regra.
Atualmente, quais as formas de atuar na RD?
Como não existem parâmetros legais, são muitas as formas de trabalhar como redutor de danos. Hoje em dia, por exemplo, num Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), o profissional não precisa necessariamente de um grau específico de escolaridade para se candidatar e ser contratado nessa área.
Entretanto, algumas de nossas recomendações são:
Conheça os coletivos de Redução de Danos da sua região. Assim como o É de Lei, em São Paulo, são inúmeros os coletivos que já se espalham pelo Brasil – o BalanCe, do Ceará, o Coletivo Lótus, do Rio Grande do Sul, a Escola Livre de Redução de Danos, da Bahia, e muitos outros são exemplos. Assim, você poderá se aproximar do trabalho, conhecer suas mais variadas nuances e entender como você, com a sua vivência, pode se encaixar e ajudar no desenvolvimento de ações.

Busque referências bibliográficas para se aprofundar. O conhecimento prático é incrível, mas a teoria sempre nos ajuda a sintetizar o que sentimos na prática e a dar sentido aos resultados de nossas condutas. Por isso, acreditamos que é fundamental conhecer algumas referências para que se tornem bases sólidas para o seu trabalho como redutor ou redutora de danos! Elisangela Melo Reghelin, Henrique Carneiro, Marcelo Sodelli, Maurides de Melo Ribeiro e vários outros autores e autoras podem ajudar você a entender não apenas a RD, mas também o complexo fenômeno do uso de drogas.
Aqui, a gente tem uma lista completa de indicações!
Cursos, aulas abertas e palestras podem abrir sua visão. Universidades como a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e mesmo os próprios coletivos, como o É de Lei, oferecem diferentes formas de aprender sobre o assunto e até se profissionalizar. Fique de olho na abertura de turmas, em conferências e outras formas de se certificar na temática.
Lutar pela regulamentação dos redutores de danos não fala apenas sobre a profissão, mas sobre a seriedade que desejamos que seja atrelada a essa abordagem tão importante. Afinal, também queremos garantir que a população seja atendida por pessoas capazes, que compreendam as complexidades e maravilhas que a Redução de Danos pode apresentar em sua jornada de acolhimento.
E você, o que acha sobre isso? Conta aqui para nós nos comentários – e não esquece de nos seguir no Instagram @girlsingreen710, para onde levamos todas as nossas informações e conversas.
Até a próxima!
Incrível a matéria! O que mais reforço com meus clientes no Headshop é a importância da redução de danos! Alguma indicação de coletivos no ES?