Se você tem um útero, nós temos uma pergunta: já sentiu alguma mudança no seu ciclo menstrual após o uso de psicodélicos, como ayahuasca, mescalina, cogumelos mágicos ou LSD? Um pequeno grupo de mulheres contou suas experiências na internet, e elas ajudaram a pautar um novo estudo extremamente interessante.
Como já contamos aqui, dados de ensaios clínicos sugerem que os psicodélicos podem ajudar no tratamento da depressão, ansiedade e diversas outras condições, como vício, distúrbios alimentares e até mesmo a síndrome do intestino irritável. Mas esse artigo recente, publicado no Journal of Psychoactive Drugs, questiona uma área pouco explorada: o que os psicodélicos fazem com a nossa menstruação?
Como mulheres amantes de psicodélicos, a gente ficou bem intrigada com essa questão. Não podemos esquecer que nossos corpos foram, por muito tempo, praticamente ignorados pela ciência — e que o nosso gênero biológico pode, sim, afetar a ação das mais diversas substâncias no organismo, o que é fascinante!
Bora mergulhar nessa temática com a gente?
Retomando: o que são e como agem os psicodélicos?
Os psicodélicos são uma classe de substâncias psicoativas que alteram a percepção, as emoções e a consciência do usuário. Eles são conhecidos por produzir experiências sensoriais e mentais intensamente vívidas e alteradas, as famosas “viagens”. Muitas vezes, elas são caracterizadas por alucinações, mudanças na percepção do tempo e espaço e uma sensação de expansão da mente.
Já sabemos também que os psicodélicos atuam principalmente no sistema nervoso central, afetando a maneira como os nossos neurônios se comunicam entre si. A ação exata vai depender da substância de escolha, mas a maioria atua no sistema serotoninérgico do cérebro. A serotonina é um neurotransmissor que desempenha um papel importante na regulação do humor, sono, apetite e percepção!
Mas o que realmente acontece na nossa cabecinha?
- Ativação dos receptores serotoninérgicos: muitos psicodélicos, como o LSD e a psilocibina, têm afinidade com os receptores 5-HT2A da serotonina. Isso leva a uma alteração na função desses receptores. Também afeta a forma como o cérebro processa informações sensoriais e emocionais.
- Aumento da conectividade cerebral: algumas pesquisas sugerem que os psicodélicos podem aumentar a conectividade entre diferentes áreas do cérebro, permitindo uma comunicação mais ampla e interconexões incomuns entre regiões cerebrais. Daora, né?
- Desorganização do processamento sensorial: os psicodélicos podem perturbar a maneira como o cérebro processa informações sensoriais. Isso resulta em alucinações visuais, auditivas ou táteis.
- Mudanças na percepção do tempo e espaço: muitos usuários relatam uma distorção na percepção do tempo e do espaço durante uma experiência com psicodélicos. Eles sentem como se o tempo estivesse passando mais devagar ou o espaço estivesse se expandindo.
- Aprofundamento da introspecção: os psicodélicos também podem levar a uma introspecção profunda. Isso permite que os usuários explorem seus pensamentos, emoções e experiências de uma maneira mais reflexiva.
Mulheres, psicodélicos e ciclo menstrual

Mas afinal, o que muda quando o assunto vira nós, pessoas com útero?
A autora Erica Avey, da Doubleblind Mag, passou a se perguntar isso após uma intensa viagem de LSD culminar em um dos ciclos menstruais mais fortes que ela já experimentou. Isso era especialmente estranho pois aconteceu no meio de seu ciclo extremamente regulado, quando ela deveria estar ovulando. No ano anterior, ela experimentou o mesmo efeito — e começou a ligar os pontos.
Ao questionar outras mulheres, recebeu relatos parecidos: Shoshanna, de 34 anos, viu sua menstruação voltar ao normal após usar ácido. Ela estava há oito meses sem sangrar por conta de estresse, um término especialmente difícil e depressão. Já Anastasia, de 26 anos, menstruou oito dias antes do esperado no dia seguinte à primeira experiência com cogumelos. Após essa dose inicial, ela percebeu que seu TPDM (transtorno disfórico pré-menstrual) foi aliviado com a microdosagem.
Outra matéria na revista High Times, escrito por Suzannah Weiss, conta com um relato semelhante. Após consumir ibogaína, a autora também teve seu período antes do esperado. Além disso, outra coisa que impressionou foi o fato de que seu sangue estava preto. A facilitadora da sua viagem explicou que isso era comum com as mulheres de seu círculo — que encaravam como uma espécie de “purga”.
Essas experiências, e o artigo resultante, foram o pontapé inicial para uma investigação científica.
O que diz a ciência sobre os psicodélicos e o ciclo menstrual?
Os pesquisadores da Johns Hopkins, Natalia Gukasyan e Sasha Narayan, apresentam três estudos de caso de mulheres que afirmam que os psicodélicos alteraram seus ciclos:
- a primeira havia parado de menstruar, mas seu ciclo voltou após consumir psilocibina e um componente da ayahuasca;
- a segunda afirmou que, depois de usar LSD, seu ciclo, que costumava ser irregular, voltou a ser regular;
- por fim, a terceira cpntou que uma pequena dose de psilocibina fez sua menstruação começar oito dias mais cedo.
Essas experiências podem parecer poucas, mas ecoam descobertas publicadas em 1957 no jornal La Semana Médica. Os autores desse estudo mais recente mostram que esses casos sugerem que diversos psicodélicos clássicos, incluindo LSD, psilocibina, ayahuasca e mescalina, podem produzir mudanças significativas na função menstrual.
Ouvido pela High Times, o professor de neurologia e bioquímica no Centro Médico da Universidade de Georgetown, James Giordano, concorda que os psicodélicos podem alterar nossos hormônios. Ele chama isso de uma espécie de “reset” nesses sistemas tão complexos. Segundo ele, em algumas mulheres, os psicodélicos podem afetar o controle neuroquímico da nossa regulação hormonal.
Entretanto, as razões ainda não são conhecidas.
Em seu artigo, Gukasyan e Narayan explicam que isso pode ter a ver com os efeitos diretos ou indiretos do agonismo do receptor 5-HT2A no eixo hipotálamo-hipofisário-gonadal. Já Giordano aponta que os efeitos mais proeminentes disso ocorrem em áreas do cérebro responsáveis pela visão e outros tipos de percepção, mas também existem receptores de serotonina e redes em áreas do hipotálamo que controlam a glândula pituitária. Ela, por sua vez, controla a liberação de hormônios. Mudanças nos níveis de estrogênio e progesterona podem então fazer com que o revestimento do útero seja eliminado ou tornar sua menstruação bem mais forte, se já estiver ocorrendo.
Fora do cientifiquês: os psicodélicos agem na mesma área do cérebro responsável por regular, nas pessoas com útero, importantes funções hormonais. Isso não acontece com todo mundo, e existem pessoas que são mais sensíveis a essa ação.
E o que isso significa?
Significa que precisamos de mais estudos para compreender como os psicodélicos podem influenciar a regulação hormonal de pessoas com útero. Se suas ações forem confirmadas, pode significar uma possibilidade de tratamento para diferentes problemas. Eles vão desde os sintomas do Transtorno Pré-Menstrual (TPM) até mesmo da Síndrome dos Ovários Policísticos.
Ficamos ansiosíssimas para saber mais! E você, que que achou disso?
FAQ
O que são psicodélicos?
Os psicodélicos são uma classe de substâncias psicoativas que alteram a percepção, o pensamento, as emoções e a consciência do usuário ou usuária. Incluem o DMT, o LSD, a mescalina, a psilocibina, a ibogaína, a ketamina e outras.
Como agem os psicodélicos?
Muitos psicodélicos têm afinidade com os receptores 5-HT2A da serotonina. Isso leva a uma alteração na função desses receptores e afeta a forma como o cérebro processa informações sensoriais e emocionais.
Os psicodélicos podem influenciar o ciclo menstrual?
Sim! Pesquisas recentes indicam que os psicodélicos agem na área do cérebro que regula funções hormonais. Isso pode influenciar nosso ciclo menstrual, sua frequência e fluxo.
Como os psicodélicos influenciam o ciclo menstrual?
Ainda não se sabe exatamente a resposta dessa pergunta. Embora saibamos que existe, de fato, uma influência, ainda não há evidências suficientes para dizer como. Entretanto, com mais pesquisas, esperamos essa reposta. Assim, teremos um entendimento maior de como os psicodélicos podem ajudar pessoas com útero e disfunções relacionadas ao órgão.