PL 399/2015 prevê plantio para fins comerciais e terapêuticos, mas falha em abranger outros tipos de cultivo e usuários de maneira geral.
Na última semana, no dia 18 de agosto, fomos surpreendidas por uma notícia: o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) submeteu ao congresso o substitutivo do projeto de lei 399/2015, uma proposta que prevê a legalização do cultivo da cannabis para uso terapêutico e fins industriais. Dentre as principais disposições do documento, está a popularização dos medicamentos à base de cannabis, que devem ser também incluídos na lista de remédios distribuídos pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
A proposta gerou debate no meio canábico nos últimos dias: embora seja um passo na direção de uma regulamentação mais abrangente no país, muitos enxergam a PL como insuficiente por não dar conta de todos os tipos de cultivo que podem ser feitos para suprir as demandas da população. Ainda não viu o projeto? Aqui, vamos falar sobre algumas das principais disposições do documento!
Foco na cannabis terapêutica
Desde 2015, a cannabis terapêutica e a importação de produtos cuja planta é a principal base já são permitidas aqui no Brasil. Entretanto, como já tratamos aqui no blog, existem muitos empecilhos que tornam o acesso complicado para a maior parte da população: se a burocracia pode ser vencida pelos mais guerreiros, os altos valores impõem uma barreira praticamente impossível de ultrapassar – principalmente em um país onde grande parte da população vive com menos de um salário mínimo.
De acordo com seus responsáveis, o principal foco dessa PL é democratizar o acesso à cannabis terapêutica no território nacional, levando tratamento a pacientes com condições como câncer, epilepsia, dores crônicas, síndromes raras e muitas outras. De acordo com Teixeira, a lei ouve o apelo de associações de pacientes e busca baratear os custos da medicação (que, nas condições atuais, pode ultrapassar R$ 2.500 por unidade).

Principais disposições da PL
Tivemos acesso ao documento, que se trata de uma tentativa de regulamentar as atividades de cultivo, processamento, armazenagem, transporte, pesquisa, produção, industrialização, comercialização, exportação e importação de produtos à base de cannabis para fim terapêutico e industrial. O projeto não trata de autocultivo, nem do uso recreativo, religioso e ritualístico. Como já falamos, acreditamos muito no auto cultivo como forma de terapia e autonomia dos usuários e pacientes!
As plantas para estes fins são destinadas aos produtos derivados de cannabis, fabricados exclusivamente por empresas farmacêuticas, conforme a RDC 327/2019 da Anvisa. Já a produção de cannabis não psicoativa, com menos de 0,3% de THC, é tratada na lei como cânhamo e é previsto o seu uso de forma industrial.
Quem pode cultivar são pessoas jurídicas, mediante a prévia autorização do poder público. De acordo com essa PL, ainda não é possível plantar por conta própria. Além disso, o governo pode fazer o cultivo e a distribuição por meio das Farmácias Vivas do SUS. Associações de Pacientes legalmente constituídas também podem fazer o plantio, a fabricação e distribuição de medicamentos, mas é obrigatória a adaptação às boas práticas das Farmácias Vivas do SUS, que possuem regras mais simples que a da indústria. As associações terão dois anos (24 meses) para se adaptar.
Quem pode fornecer:
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Farmácias de manipulação;
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SUS;
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Associações de Pacientes;
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Empresas.
Ainda de acordo com o projeto, as plantas cultivadas com fins terapêuticos podem ser usadas em produtos regulamentados pela RDV 327/2019 da Anvisa e produtos veterinários. Já o cânhamo tem uma variedade maior de finalidades, que vai desde a indústria têxtil até produtos de construção, cosméticos e outros.
O que é considerada “cannabis terapêutica”?
Segundo a PL, as condições da cannabis terapêuticas são as seguintes:
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Plantas de cannabis com mais de 1% de THC são consideradas psicoativas;
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Plantas de cannabis com menos de 1% de THC são consideradas não-psicoativas;
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Para fins de uso veterinário, só é permitido o uso da cannabis não-psicoativa;
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Os medicamentos à base de cannabis para uso humano são considerados psicoativos se tiverem mais de 0,3% de THC;
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O medicamento com teor de THC abaixo de 0,3% é não-psicoativo.
Outros pontos de atenção
Pelo texto apresentado inicialmente, só empresas poderão fazer o plantio, que será liberado mediante autorização do governo. Para controlar a produção, cada empresa terá uma cota de cultivo, além de produção rastreada e com aval de um responsável técnico. Os políticos responsáveis pela redação do documento ressaltaram, em live, que existe ainda o direito de outros parlamentares a observações e emendas à proposta.
A fiscalização ficará a cargo do Ministério da Agricultura. A proposta ainda permite que instituições de pesquisa plantem, cultivem, transportem e armazenem a cannabis, desde que sejam previamente autorizadas.
Um dos grande alvos dos políticos, através da PL, é a economia e o fomento de atividades ligadas ao cultivo e manuseio da cannabis – seja terapêutica ou industrial. Segundo Luciano Ducci (PSB-PR), “a agricultura ganha mais um insumo, que poderá ser exportado para o mundo. O Brasil pode ser um dos líderes deste mercado ao lado dos EUA e da China”.
Acreditamos que faltam, ainda, muitos pontos importantes nessa enorme discussão da qual o país está participando – assim como várias outras partes do mundo. Em modelos de regulamentação internacional, como o Uruguai e o Canadá, podemos ver algumas disposições em comum, que ainda faltam ao texto brasileiro: o cultivo individual e o plantio outdoor – que pode ajudar também na recuperação de grande parte do solo nacional.
Nas próximas semanas, o que devemos fazer é observar o desenvolvimento dessa situação e pressionar os responsáveis, para conseguirmos passar para o senado uma lei mais justa e abrangente, que dê conta, pelo menos, de amenizar o desamparo que grande parte da população lida. Ainda aguardamos, também, o desenrolar do aguardado posicionamento do STF sobre a descriminalização do porte de drogas – que, injustamente, leva tantos homens e mulheres a superlotar prisões em todo o país, prendem jardineiras e jardineiros e causa danos irreparáveis na nossa sociedade.
Edit:
Em maio de 2021, a PL 399 foi a votação na Câmara de Deputados. Toda a sessão foi marcada por momentos de tensão, as famosas e esperadas fake news baseadas em mitos e mentiras sobre a cannabis e até mesmo uma agressão ao presidente da comissão, o deputado Paulo Teixeira (PT-SP). Aos gritos, o deputado Diego Garcia (Pode-PR) avançou sobre Teixeira, deu um tapa no notebook usado pelo parlamentar e empurrou o presidente da comissão, que nesse momento encontrava-se sentado. Garcia teve que ser contido por outros deputados.
A nova votação acontece no dia 08 de junho de 2021, e estamos aguardando com ansiedade esse momento. Nós já pensamos muito a respeito dessa PL, que já causou muito alvoroço mesmo no universo canábico, e concordamos que ela não é abrangente o suficiente para conter e reparar danos da Guerra às Drogas. Acreditamos que ela pode, sim, ser um começo – desde que seja trabalhada para incluir tantas outras pautas importantes, como a diferenciação entre usuário e traficante, o cultivo caseiro e a educação popular.
Editado em: 07 de junho de 2021.