Você já se perguntou o porquê as drogas foram proibidas? Venha com a gente mergulhar num texto que destrincha a história do proibicionismo e o complexo fenômeno que foi, e ainda é, a Guerra às Drogas.
História do Proibicionismo
Você já parou para se perguntar o porquê as drogas foram proibidas? Será que foi logo quando descobertas, quando a sociedade criou as leis ou depois de algum grande estudo científico? Na verdade, a história do uso das drogas na sociedade é beeem antiga e o proibicionismo é uma política da sociedade moderna. Esse é o motivo no qual decidimos escrever um conteúdo que contemplasse parte desse processo histórico complexo e que pulsa com vida até hoje – e vai muito além da afirmação simplista: “mas as drogas fazem mal…”
O debate sobre os problemas de saúde em decorrência do uso de drogas e sobre as políticas que criminalizam os usuários é extenso. Assim, questionamos: o que é pior para o usuário de substâncias psicoativas, a droga em si ou a política proibicionista?
Vem com a gente e vamos jogar uma luz nesse tema!
A maconha já estava presente nas antigas civilizações
Há evidências do uso da maconha e dos derivados de cânhamo em diversas civilizações desde o surgimento da humanidade. A história da maconha nos mostra que o uso da cannabis era tanto medicinal, aconselhado em caso de insônia, dores musculares e também em casos de paralisia e convulsões, como também religioso ou em rituais sagrados. Uma reportagem da National Geographic conta sobre evidências encontradas do uso de maconha em um cemitério da Ásia Central de 2,5 mil anos atrás.
Já o cânhamo era usado para fazer fibras em geral como velas dos barcos, cordas e roupas. Com o cânhamo, é possível produzir muita coisa – de papel até combustível, podendo ser a solução sustentável para inúmeros problemas da agricultura moderna. Uma curiosidade interessante é o quanto o cânhamo teve um papel importante chegada dos primeiros portugueses no Brasil (sabemos que de descobrimento não tinha nada). Sim, nos tempos das grandes navegações, foram sob as velas de cânhamo que os ventos trouxeram Pedro Álvares Cabral até o Brasil. É quase como se a maconha tivesse descoberto o Brasil, não é mesmo?
No começo dos século XX, ainda não existiam estudos suficientes para entender os efeitos a curto e longo prazo sobre os efeitos da cannabis no corpo humano. O mais famoso era um feito por médicos ingleses e publicado pela Indian Hemp Drugs Commission em 1894, que conclui que o uso ocasional de cânhamo pode ser benéfico e que não há praticamente nenhum efeito nocivo produzido pela substância. Uma dica interessante para aqueles que quiserem mergulhar num estudo mais histórico sobre a cannabis e as drogas em geral, nós recomendamos: História geral das Drogas (1996), escrito pelo filósofo e professor espanhol Antonio Escohotado.
Trazendo um pouco do olhar histórico sob a ótica de um brasileiro, Henrique Carneiro é professor da USP e autor do livro “Drogas: a história do proibicionismo” (2018). Segundo o historiador, “o uso de drogas é tão natural e normal nas sociedades humanas, como se alimentar”. O historiador canabista é, além de ser a personificação de uma enciclopédia tem um extenso estudo sobre a história da alimentação e das drogas – e nos mostra como especiarias, ervas psicoativas, alimentos e outros temperos faziam todos parte de uma mesma categoria chamada “Druug” em holandês. Isso evidencia o quanto a sociedade e o seu curso histórico que construíram essa relação e opinião que temos com a maconha e outras drogas até hoje. O professor também afirma que todas as culturas humanas sempre usaram de substâncias para apaziguar a dor, melhorar o desempenho ou ter uma conexão mais íntima com o divino. “O uso de substâncias psicoativas é e sempre foi uma parte estrutural e indispensável da sobrevivência das populações humanas.”
E por que a maconha foi proibida?
A primeira menção proibicionista que aconteceu internacionalmente foi em 1912, na Convenção Internacional do Ópio. A Itália e os Estados Unidos garantiram que a preocupação com a substância seria citada em um anexo da Convenção. A seguir, o Egito também se posicionou contra a cannabis e a classificou como uma substância tão perigosa e aditiva como ópio.
Pensando na Cannabis, houve divergência dentro de tal comitê, pois a Índia alegou que havia uso cultural e religioso da substância no seu país. Dessa forma, na Convenção de Genebra de 1925, a maconha passou a ser desaconselhada e sua exportação para uso sem fins medicinais proibida internacionalmente, mas deixando a criação de leis mais específicas aos Estados signatários. Há mais de 100 anos atrás, a onda de proibições se iniciou, se dando de formas distintas nos mais diversos países.
As primeiras décadas do século XX foram marcadas pela crescente imigração – principalmente mexicana, legal e ilegal, em diversas regiões dos Estados Unidos. Arizona, Texas, Flórida Louisiana, Califórnia, Colorado e Utah foram alguns dos estados a receberem mexicanos em massa. A economia americana estava em crescimento e os imigrantes migravam em busca de dinheiro. Em pouco tempo, eles foram associados ao uso de drogas: os irlandeses ao álcool e os mexicanos à maconha. São fatos como este que demonstram o quanto a proibição vai para além das drogas, podendo ser uma forma de proibir rituais de hábitos de populações específicas, proibirem a sua cultura e práticas.
Lei Seca
Em 1919, nos estados Unidos a Lei Seca foi criada. Esse foi o primeiro instrumento do proibicionismo, que ainda é a linha de frente na estratégia no qual a maioria dos governos adotam para lidar com o complexo fenômeno que é o uso de drogas. Tal Lei tinha como objetivo a proibição da manufatura, venda e transporte de “bebidas intoxicantes”. A lei pretendia acabar com a criminalidade, uso e demanda, mas a realidade foi bem distinta. Os índices de embriaguez e criminalidade subiram. A população das prisões americanas subiu de 3 mil para 12 mil entre 1920 e 1932.
A década de 20 nos EUA também passou a ser conhecida como a década dos contrastes ou a década da desigualdade social. Junto com a aceleração econômica, a enorme fenda entre as classes sociais se aprofundou, cerca de 50% da população vivia em condições abaixo da linha de pobreza. Junto com isso, não havia controle ao álcool vendido no mercado ilegal, colocando inúmeras pessoas de todas as classes sociais em maiores vulnerabilidades perante ao uso de álcool. Sim, com certeza os que mais sofreram com essa medida não é novidade para a gente, não é?
A má qualidade das bebidas causou milhares de mortes e outros efeitos colaterais negativos na parcela da população americana que fazia uso de bebidas alcoólicas. Tais consequências fizeram com que a lei fosse revogada em 1933.
A história demonstra o fracasso do proibicionismo desde o início de sua implementação, fazendo com que seja questionado quais que eram as verdadeiras intenções através de tamanha medida política que se seu internacionalmente.
Pesquisadores defendem que as motivações da lei seca foram controlar o movimento imigratório, e também razões religiosas. Existem alguns filmes interessantes, como “Os intocáveis” e “Os Infratores”, que retratam bem como a lei atingiu os Estados Unidos.
Mídia e a Maconha
Em 1936, começa a circular nos Estados Unidos uma propaganda da Associação Internacional de Educação sobre Entorpecentes, informando sobre os riscos dessa plantinha causar uma rápida degeneração física e mental, um aumento do desejo sexual e das inclinações à violência e ao assassinato sem motivo nos seres humanos. Parece absurdo que uma substância, que não te entorpece tão intensamente quanto o álcool, causasse isso em nós mesmos, não é?
Tal fato evidencia o quanto a mídia teve um papel essencial na formação da opinião popular em relação às drogas e a população que faz o uso.
Pensando na proibição, a mídia e as propagandas foram um grande instrumento para estimular uma opinião pública contra aos hábitos desses tais imigrantes e, consequentemente, da imigração em si. Quando a crise econômica começou nos Estados Unidos, os imigrantes deixaram de ser bem-vindos e os estigma negativo dos mexicanos era essencial para o governo criminalizar essa população.
A historiadora brasileira Luisa Saad tem diversos estudos sobre o proibicionismo como ferramenta para controle de determinada população. Inclusive, em seu livro “Fumo de Negro”: a criminalização da maconha no pós-abolição, ela discorre como esse fenômeno ocorreu no Brasil, que proibiu a maconha, assim como outras práticas afro-descendentes como o candomblé e a capoeira, em 1830. Nesse cenário, apesar da escravidão ter se tornado ilegal, a aristocracia queria estigmatizar e excluir a população negra e sua cultura. Mas sobre a proibição no Brasil nós vamos dedicar um texto apenas para isso. Nós merecemos um textão para entender mais profundamente nossa história – enquanto isso, leiam aqui sobre uma abordagem atual desses dados no Brasil.
Voltando ao cenário internacional, em 1930 foram criados importantes órgãos para o controle de drogas. A famosa FDA (Food and Drugs Administration, ou Administração de Alimentos e Drogas) e a FBN (Federal Bureau of Narcotics, ou Agência Federal de Narcóticos). A FBN era dirigida por Harry J. Anslinger, comissário da polícia durante a Lei Seca.
Interesse comercial
Anslinger também era casado com a sobrinha de Andrew W. Mellon, dono da gigante petrolífera Gulf Oil e investidor da Du Pont, ambas empresas que desenvolviam vários produtos a partir do petróleo: aditivos para combustíveis, plásticos, fibras sintéticas e até papel. Sabemos outra forma de obter o papel além do cânhamo desde a antiguidade é através do eucaliptos, e Hearst, dono de um grande jornal americano, era proprietário de enormes fazendas de eucalipto. As indústrias do cânhamo eram concorrentes das indústrias dos poderosos americanos. As propagandas também estavam presentes nos jornais de Hearst. O papel da mídia foi fundamental em todo processo proibicionista e demonstra que tomou lados para trocar o curso da história e da política.
Em 1937, o presidente americano Franklin Roosevelt cria o Marijuana Tax Act, lei que proibia o cultivo e comercialização dos derivados da maconha em solo americano. A pressão americana para uma proibição internacional ficou cada vez mais forte, mas apenas Pós Segunda Guerra Mundial o país conseguiu influência o suficiente para consolidar o modelo de proibicionismo estadunidense.
Poder geopolítico
Em 1961, ocorre a Convenção Única sobre Entorpecentes em Nova York, onde foi estabelecido um tratado pelas Nações Unidas classificando a maconha como uma substância perigosa e sem valor terapêutico, que deveria ser proibida internacionalmente. É curioso como uma planta que tinha poderes terapêuticos amplamente reconhecidos tenha sido proibida de forma tão violenta e intensa.
Muitos países, onde existiam remédios à base de maconha, tiveram que retirar seus produtos das farmácias. Os usuários, de até então medicinais, se tornaram criminosos e o proibicionismo se tornou de fato uma guerra. O termo “Guerra às drogas” vem à tona quando em 1971, o presidente Nixon determina que “as drogas são nosso inimigo público número um” e inicia a campanha com o nome “guerra às drogas”.
Nos Estados Unidos, a população carcerária aumentou 140% entre 1971 e 1981. O encarceramento em massa é uma das principais consequências do proibicionismo e está diretamente ligada com o mecanismo de controle social. No Brasil, o segundo motivo que mais prende é relacionada à drogas. Essa cifra corresponde a 26% dos detidos (45% das mulheres e 24% dos homens). Dá para perceber o quanto a proibição está além das drogas, não é mesmo?
Atualmente, navegamos numa maré contra o contra o proibicionismo, não só da cannabis mas também de outras drogas. Feito sem embasamento científico ou estudos que de fato comprovassem os riscos que essa substâncias poderiam causar, o proibicionismo foi pautado em interesses comerciais e políticos, apoiado pela mídia e fortaleceu a influência e o controle americano, sob o pretexto da guerra às drogas, em diversos países da América Latina.
Ao longo dos anos, diversos estudos científicos e antropológicos demonstram a falta de embasamento para a proibição da maconha e instauração proibicionismo. As principais questões são os princípios terapêuticos e medicinais da cannabis e o fato de tratar uma questão de saúde pública (o uso de substâncias psicoativas) como um crime.
A Redução de Danos é a política de drogas resultado desse debate antiproibicionista. Existem muitas definições de Redução de Danos. É uma forma de se pensar oposta a guerra às drogas, mas também é uma “política de saúde que se propõe a reduzir os prejuízos de natureza biológica, social e econômica do uso de drogas”.
Muitos países se baseiam na Redução de Danos e nos estudos científicos para lidar com as drogas. Afinal, as drogas deveriam ser tratadas como uma questão de saúde e não de segurança. A consequência disso é uma mudança no panorama internacional. Muitos países, inclusive os Estados Unidos, descriminalizaram ou regulamentaram o uso medicinal e recreativo da maconha por diversos motivos, inclusive econômicos.
E aí, chegaram até aqui? A história do proibicionismo é mesmo longa, mas é importante a gente entender a origem das nossas leis e aprenderemos mais sobre a história do que a gente consome. É importante criamos esse espaço para a gente se questionar e não acreditar em tudo que nos contam ou que vemos na TV!
No próximo post, vamos falar mais sobre como alguns países lidam com a cannabis e o proibicionismo.
Esperamos vocês! Até a próxima.
FONTES
Filmes e Vídeos
“Lawless” 2012, John Hillcoat, Estados Unidos
“The Untouchables” 1987, Brian De Palma e David Mamet, Estados Unidos
https://www.youtube.com/watch?v=x24pV4Di_Zg
Periódicos digitais
https://jornalggn.com.br/historia/o-centenario-da-convencao-internacional-do-opio/
https://super.abril.com.br/mundo-estranho/o-que-foi-a-guerra-do-opio/
https://www.bbc.com/portuguese/geral-50402267
http://www.justificando.com/2015/02/05/como-guerra-drogas-alimenta-o-racismo/
Plataformas oficiais
http://www.worldlii.org/int/other/LNTSer/1928/231.pdf
Livros digitais
http://www.perseus.tufts.edu/hopper/text?doc=Perseus%3Atext%3A1999.01.0126%3Abook%3D4%3Achapter%3D75
Antonio Escohotado, História general de las drogas. Madri: Alianza Editorial, 1996.
Júlio Delmanto, Camaradas caretas: a esquerda e as drogas. São Paulo: Alameda, 2015.
Luisa Saad, Medicina Legal: o discurso médico, a proibição da maconha e a criminalização do negro. História e-história, São Paulo, Unicamp, 4 maio 2010. Disponível em: <http://www.historiaehistoria.com.br/materia.cfm?tb=alunos&ID=292>. Acesso em: Abril de 2020
Tarcisio Matos de Andrade; LURIE, P.; MEDINA, M.G. et al. The opening of south america´s first needle exchange program and an epidemic of crack use in Salvador, Bahia-Brazil. AIDS and Behavior, San Diego, vol. 5, p. 51-64, mar, 2001.
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