No nosso segundo texto da série, vamos apresentar os poderes físicos e místicos da ayahuasca, proveniente de um saber ancestral cheio de magia. O que é, como ela funciona e quais são os principais rituais ligados a ela?
Ayahuasca: o “cipó do espírito”, nomeado pelos quíchuas, é uma bebida carregada de misticismo. Também é conhecida por muitos apelidos diferentes, como Daime, Yagé, Caapi, Pildé, Dapa, ou Kamaranpi. Embora a gente saiba do que ela é feita e qual o seu princípio ativo, pouco se sabe sobre a sua criação – que gerou uma tradição que, segundo especulam historiadores, já é milenar.
Nós, brasileiros, temos a sorte de viver em um dos berços da ayahuasca, onde o chá já faz parte de diversas religiões, e conta com efeitos pesquisados pela ciência. Embora muito tenha sido descoberto, ainda existe um mundo inteiro de possibilidades que estão sendo exploradas nesse quesito. Mas o quão longe é possível ir sem desrespeitar esse elemento sagrado?
No segundo texto da série “cannabis e outras drogas”, não queremos apenas apresentar a ayahuasca a você, mas também trazer reflexões importantes, pensando na história de tantos povos ancestrais responsáveis por criar e aprimorar essa substância que, ainda hoje, é uma medicina para além do nosso corpo físico.
Feche os olhos, respire fundo e venha mergulhar nessa cultura fascinante com a gente!
O que é a ayahuasca?
Basicamente, a ayahuasca é feita de dois elementos principais: pedaços do cipó jagube (ou mariri) e folhas de um arbusto chamado chacrona. O arbusto contém o princípio ativo da mistura, o DMT (n,n-dimetiltriptamina), enquanto o cipó conta com inibidores da monoamina oxidase, que permitem que o DMT passe pelo sistema digestivo sem ser destruído. É um trabalho em equipe que torna essa sinergia de plantas tão poderosa. Também existem outras ervas que podem fazer parte da decocção, e o mix escolhido depende da tribo ou da religião que a utilizará.
Mas quem foi que descobriu essa magia onde unindo duas plantas criava-se um chá para entrar em contato com Deuses? Ninguém sabe exatamente onde isso começou, mas existem registros de diversas culturas sul-americanas que usam essa mistura há séculos como uma forma de medicina sagrada. Em múmias encontradas no Chile, com cerca de mil a 1500 anos de idade, foram descobertos traços de harmalina, uma das substâncias contidas na ayahuasca. Já em uma expedição no sudoeste da Bolívia, foi descoberta uma bolsa de couro com em torno de 900 a 1170 anos, contendo objetos ritualísticos e resquícios das plantas usadas para fazer o chá.
O botânico inglês Richard Spruce foi o primeiro homem branco a classificar cientificamente o cipó usado para preparar a ayahuasca. Ele passou 15 anos na Amazônia, de 1849 a 1864, com intuito de coletar e estudar novas espécies de planta. Durante o período, presenciou os rituais ainda desconhecidos para os europeus, onde os indígenas usavam uma bebida alteradora de consciência.

E essas práticas, como a dos indígenas, fazem parte do xamanismo – termo criado por antropólogos para dar conta de todas as práticas ancestrais que mantém relação com o Sagrado, divindades, espíritos e estados alterados de consciência. Estudos mostram que o xamanismo sobreviveu desde a época do paleolítico, mas nada impede de pensar que as tradições podem ser ainda mais antigas. Seus resquícios podem ser encontrados ao redor do mundo todo.
Os rituais xamânicos com ayahuasca são celebrados por diversas etnias da América do Sul, como os povos:
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Yawanawá;
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Huni kuin;
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Asháninka;
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Shipibo Conibo;
Além de outras 70 etnias da região da Amazônia.
Mas como suas sabedorias ancestrais ficaram tão populares?
A ayahuasca em novos contextos
No início do século 20, o seringueiro Raimundo Irineu Serra conheceu a ayahuasca em suas interações com grupos indígenas. Acredita-se que Mestre Irineu, como ficou conhecido, tomou o chá pela primeira vez no Peru. Ao olhar para a lua, viu uma mulher de enorme beleza – a quem chamou de Deusa da Floresta. Após testá-lo, ela garantiu a ele um desejo: o de se tornar um grande curandeiro, para ajudar mais e mais pessoas.
Depois do que vivenciou, criou, nos anos 30, a doutrina do Santo Daime – que mistura referências católicas ao saber indígena.
O Daime, segundo praticantes da religião, vem da humildade de se colocar em frente aos deuses e espíritos para pedir “dai-me forças, dai-me amor”. Ele foi um dos principais responsáveis pela popularização da prática, depois também adotada por outras associações religiosas – como a Barquinha, a União do Vegetal e aproximadamente 30 outras. Hoje, são vários movimentos sincréticos que unem saberes xamânicos, católicos, de matriz africana e outros elementos na organização de ritos de cura, seja física ou espiritual.
Além do Santo Daime e de religiões afins, existe um movimento de resgate chamado por pesquisadores de neoxamanismo – o criador de novos modelos de espiritualidade, terapia, consumo e sociabilidade, onde a tradição é um recurso simbólico.
Existe um padrão nessas práticas: segundo estudos, no circuito urbano da ayahuasca, “tornou-se comum um modelo de ritual em que as medicinas da floresta (ayahuasca e rapé, entre outras) são consumidas, são entoados cânticos de inspiração indígena, do complexo Nova Era, ou mesmo hinos do Santo Daime, são tocados instrumentos orgânicos, como tambores e maracás, são escutados cânticos e mantras em som sintético, geralmente com o grupo em volta de uma fogueira, cada qual sentado ou deitado em seu colchonete. As influências culturais na organização e execução desses rituais são diversas, mas a ênfase comumente recai no arsenal simbólico de origem indígena”.
Uma medicina ancestral sob olhares modernos
Ao olhar esse elemento sagrado de uma maneira antropológica, nos perguntamos: qual o perigo de tirar a ayahuasca de seu ambiente de origem?
A PhD em antropologia Bia Labate tem extensos estudos sobre o assunto, e propõe reflexões sobre os desafios que a globalização da ayahuasca apresenta. Para ela, existem diversas questões-chave, tais como:
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implicações econômicas;
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dilemas jurídicos;
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problemas de sustentabilidade;
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questões de segurança, incluindo abuso sexual e fatalidades;
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autenticidade e apropriação cultural.
Segundo Labate, o desenvolvimento do neoxamanismo e o uso da ayahuasca não é uma fuga à “tradição”, mas sim uma continuidade de seu processo histórico de formação e síntese original entre diferentes tradições étnicas indígenas e elementos cristãos. Não teríamos mais como, então, considerar apenas os conceitos provenientes das formações tradicionais de curandeiros, deixando de fora suas interações e experiências com estrangeiros ou pessoas fora de sua cultura, ou dessas articulações entre o local e o global.
Entretanto, existem outros debates, como a validade da ayahuasca sem o seu teor ritualístico. Atualmente, não apenas a aproximação do chá mas também a popularização do DMT, seu princí
pio ativo isolado, tornam muito comum as utilizações de forma recreativa, desprovidas de qualquer carga religiosa. O antropólogo Lévi-Strauss considera que a eficácia da cura xamânica se encontra, justamente, na crença de que a magia aplicada pelo xamã irá funcionar. Entretanto, quando falamos do envolvimento da botânica, também devemos considerar os efeitos do princípio ativo, em conjunto com cânticos e manipulações, no resultado final. Não podemos desconsiderar os efeitos físicos do DMT, por exemplo, mas a questão é seu caráter medicinal se retirado dos rituais de cura.
Em estudos aqui no Brasil, pesquisadores observam a possibilidade do uso da ayahuasca como tratamento para a depressão. E, embora sejam muito promissores, para Luis Fernando Tófoli, professor do Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp e um dos coautores do trabalho, ainda é necessário averiguar as causas da melhora apresentada pelos pacientes envolvidos. Entre as possibilidades estão a experiência holística e emocional associada aos psicodélicos, o aspecto ritualístico e terapêutico da situação ou até mesmo o efeito fisiológico da substância, como a redução da atividade cerebral em áreas associadas à depressão ou o estímulo na formação de sinapses (conexões entre neurônios).
Um de seus outros usos modernos é na recuperação de pessoas que fazem uso problemático de substâncias. Existem muitos centros que realizam esse tipo de tratamento, tanto no Brasil quanto no Peru e em outros países da América do Sul, e pesquisas apontam que a substância pode ser mais do que uma mera “terapia de substituição”.
Qual a situação legal da ayahuasca?
A ayahuasca já foi considerada uma droga ilegal, e muitos processos foram necessários para retirá-la do contexto proibicionista.
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Em 1987, ela foi retirada provisoriamente da lista de drogas alucinógenas de consumo proibido.
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Em 2006, saiu de lá definitivamente.
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Em 2010, foi aprovada pelo CONAD como substância para fim religioso e sem fins lucrativos.
Hoje, o seu uso aqui no Brasil é lícito, mas tem suas restrições. A nossa regulamentação também permite que pesquisas científicas com a planta sejam feitas sem tanta burocracia. Graças a união do Santo Daime e da União do Vegetal, a consagração da ayahuasca é também permitida em alguns países europeus e norte-americanos. No Peru, ela é considerada um patrimônio cultural desde 2008.
E quais são os seus efeitos?
Quando consumida, a ayahuasca demora cerca de 30 a 60 minutos para o início dos efeitos, e atinge seu pico em duas horas. A média total de duração é de 4 a 6 horas. Em casos de inalação ou injeção, como é utilizada em certas pesquisas e contextos medicinais, os efeitos podem ser sentidos em questão de segundos e durar cerca de 15 a 20 minutos.
As alterações da mente podem ser de vários tipos. O psiquiatra americano Rick Strassman observou, em anos de estudos e aplicação de DMT, que mais da metade dos pacientes relata o contato com seres de luz e entidades de outros planos da existência. Muitos também relatam experiências extra-corpóreas, como se a consciência se desprendesse da matéria.
Também são comuns:
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A visão de mandalas e fractais;
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Sensação de paz;
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Distorção do espaço-tempo;
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Sentimentos de perigo iminente, medo e tristeza;
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Variações da temperatura corporal;
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Coordenação motora comprometida;
Pode causar queimação no estômago, enjoo e vômito, além de suor em excesso, tidos como uma “limpeza” tanto do corpo quanto da alma de quem bebe o chá.
Interação da ayahuasca com cannabis
O uso da cannabis juntamente com a ayahuasca não é apenas comum, mas uma prática ritual e até cotidiana para muitos adeptos do Santo Daime. Por volta dos anos 70, a erva foi inserida no contexto religioso do grupo, sendo ressignificada, santificada e chamada de Santa Maria.
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Geralmente, a cannabis é usada nos intervalos ou ao fim das cerimônias daimistas, muitas vezes para diminuir a força do daime e retomar a consciência. Além disso, pode ser usada como forma de acalmar em cerimônias, principalmente durante viagens com visões mais dolorosas ou difíceis.
No entanto, a instituição não reconhece oficialmente o uso da planta, principalmente devido a sua ilegalidade. Há igrejas da doutrina em que o consumo é generalizado, há outras que o consumo é ameno e discreto, e há aquelas em que consumir é expressamente proibido, variando conforme a opção espiritual e pessoal do dirigente.
Nós, do Girls in Green, não encontramos pesquisas que apontem riscos dessa mistura. Entretanto, a nossa dica é sempre utilizá-las respeitando seu corpo e os contextos propostos para o uso, de preferência lembrando da Redução de Danos!
Outras sugestões
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Se você deseja ter uma experiência com a ayahuasca, recomendamos que você procure centros seguros e confiáveis para isso.
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Como
com qualquer outra substância, é necessário estar atento com o ambiente ao seu redor, as pessoas que acompanham e também com o seu estado mental – para não colocar você ou outras pessoas em perigo. -
Também é necessário lembrar que, com o uso de um psicoativo alterador de consciência, você se torna vulnerável para inúmeras situações indesejadas. Fazer isso em um local próprio e com pessoas experientes é fundamental!
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Nem todos que desejam usar a ayahuasca têm uma motivação especificamente religiosa, mas é preciso sempre respeitar essa medicina como um elemento que é sagrado para muitos. Usá-la com consciência, com a mente aberta e com boas intenções é sempre a melhor abordagem.
A ayahuasca é um dos assuntos mais interessantes, extensos e cheio de detalhes que já falamos aqui no blog, e é incrível poder conhecer mais esse saber ancestral, tão rico e presente em inúmeras culturas. Já conhecia essa substância e seus rituais? Esperamos ter acendido a sua curiosidade.
Aho!

Que lindo! gratidão por essas informações
Que texto daora !!! Bem legal conhecer esse lado mais histórico, sem falar que agora fiquei ainda mais curioso sobre o assunto… Vocês são demais meninas !!
Que lindo! gratidão por essas informações
Que texto daora !!! Bem legal conhecer esse lado mais histórico, sem falar que agora fiquei ainda mais curioso sobre o assunto… Vocês são demais meninas !!
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Perfeito, o texto descreve a realidade, tive uma experiência com o santo daime, foi maravilhoso e consagramos a Santa Maria!
Uma das noites mais lindas da minha vida!!! 😉
Muito Bom!! Consagrei ayahuasca um dia desses e logo depois consumi cannabis, tinha ficado preocupado de início mas agora estou mais tranquilo!!
Conhecia a ayahuasca faz 5 anos mas só esses dias consagre já estou na3• só gratidão
HAUX HAUX
Eu sou um mestre xamanico da região de Vila Vivaldi. Posso afirmar que existe a necessidade regular em todos seres humanos da consagração da medicina Ayahuasca. Quanto antes, neste mundo de ilusão, termos acesso ao nosso EU, melhor será o planeta em que vivemos e viveremos.