Políticas de Drogas

O que fazer ao assinar como usuário

Conversamos com a advogada antiproibicionista Gabriella Arima, da Rede REFORMA, para tirar dúvidas sobre assinar o Termo Circunstanciado de Ocorrência como usuário. Vem se informar com a gente!

Levar um enquadro policial pode ser uma experiência bastante aterrorizante, ainda mais se você é usuária(o) de substâncias. Abordagens policiais são comuns em contextos proibicionistas, e é fundamental se informar sobre o que fazer nelas. Uma dessas possibilidades é  a assinatura do Termo Circunstanciado de Ocorrência — famoso “assinar como usuário”.

Se você é pega(o) com maconha na rua, assinar como usuário pode ser a garantia de sanções mais leves. Entretanto, sabemos que, por conta das arbitrariedades da polícia brasileira, essa ação pode gerar muitas dúvidas. Afinal, as abordagens podem ser mais duras dependendo do CEP, da cor e do status socioeconômico de quem é revistado.

Aqui no blog, falamos sobre como conhecer seus direitos pode ser uma estratégia de Redução de Danos no contexto atual. E, para ajudar você a se proteger perante a Lei de Drogas, que, em tese, não criminaliza usuários, conversamos com a advogada antiproibicionista Gabriella Arima. Arima faz parte da REFORMA – Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas e é Coordenadora do Núcleo de Política sobre Drogas e Saúde Mental da OAB de São Paulo. 

Bora entender mais sobre esse assunto? Vem conferir essa entrevista!

Assinar como usuário.
Gabi Arima no evento da FACAMP

Girls in Green: em quais situações é possível assinar como usuário e quando devo fazer isso?

Gabriella Arima: o Termo Circunstanciado de Ocorrência (documento geralmente assinado por usuários) é o documento policial que deverá ser assinado pela pessoa acusada de uma contravenção penal, isto é, de uma infração de menor potencial ofensivo, como é considerado o porte de drogas para uso próprio. 

Não há situações em que o usuário tem a possibilidade de escolha sobre a assinatura ou não desse documento, já que é a Autoridade Policial que irá decidir acerca do enquadramento penal da conduta. 

Lembrando sempre que a Lei não estipula critérios objetivos para diferenciar as figuras do usuário e do traficante, mas apenas que “para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente” (art. 28, parágrafo 2º da Lei de Drogas).

GG: tenho que mostrar meu celular na abordagem policial?

GA: jamais. O celular é protegido pelo direito à privacidade, que é um direito fundamental protegido pela nossa Constituição Federal. Além disso, a Lei assegura que ninguém seja obrigado a produzir provas contra si próprio. 

Porém, nós sabemos que as abordagens policiais nem sempre são pacíficas e, geralmente, são marcadas pela violência por parte dos agentes de segurança. É muito importante que a pessoa abordada faça uma avaliação de risco nesse momento e, se possível, grave a atuação policial. 

Por fim, é importante mencionar que a invasão de privacidade poderá até ser uma causa de nulidade de um eventual processo criminal. 

GG: como devo me comportar na delegacia?  

GA: a primeira orientação que sempre damos é pelo tratamento cordial com as autoridades policiais. Isso porque, além de acreditarmos que a educação é uma característica importante entre as relações humanas, é importante evitar qualquer tipo de atrito com os policiais/delegados. 

Em segundo lugar, todos têm direito à uma advogada ou advogado presente e, inclusive, a se manifestar somente na presença de seu defensor.

GG: paciente medicinal que se trata com cannabis também assina como usuário?

GA: não necessariamente. Como dissemos, isso dependerá das condições em que a pessoa foi flagrada pela polícia. 

Novamente, a Lei não estipula critérios objetivos para diferenciar as figuras do usuário e do traficante, mas apenas que “para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.” (art. 28, parágrafo 2º da Lei de Drogas). 

Assim, mesmo que seja o caso de um paciente medicinal, não faltam casos de pessoas criminalizadas e respondendo pelo crime de tráfico de drogas. 

GG: o que acontece com quem assina como usuário? Existem penas e sanções nesses casos?

GA: quem assina o TCO (Termo Circunstanciado de Ocorrência) será intimado para uma audiência preliminar perante o Juizado Especial Criminal, em que o Ministério Público poderá oferecer uma proposta de acordo de transação penal. Isto é, um acordo no qual o acusado aceita cumprir pena antecipada de multa ou restrição de direitos com o posterior arquivamento do processo. 

Lembrando que as penas para aqueles que portam drogas poderão ser: 

  • advertência sobre os efeitos das drogas; 
  • prestação de serviços à comunidade; 
  • medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo; 
  • admoestação verbal;
  • e/ou multa. 

Para este ato não é necessária a presença de uma advogada. Porém, sempre recomendamos que a pessoa seja acompanhada por uma defensora.

GG: é criada uma ficha criminal para quem assina como usuário?

GA: no caso de assinatura de TCO, ou seja, no caso em que há o reconhecimento do caráter de usuário da pessoa, não se gera antecedentes criminais (o que conhecemos como “ficha criminal”).

Assinar como usuário.
Florzine prestes a assinar como usuário.

Podemos esperar mudanças?

Sim: o tratamento arbitrário da população causado pelas aberturas e zonas cinzentas da Lei de Drogas atual é um absurdo. Afinal, é injusto tratar usuárias e usuários como criminosos. 

Em 2019, a Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ) divulgou a Avaliação do Impacto de Critérios Objetivos na Distinção Entre Posse para Uso e Posse para Tráfico. Analisando ocorrências registradas pela Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo de 2012 a 2017, a ABJ concluiu que, quando o assunto é maconha, 23 gramas são um ponto chave. Essa quantidade, em média, dá 50% de chance de ser enquadrado como usuário e 50% de acabar com uma condenação como traficante. 

De acordo com o estudo da ABJ, menos que 23g, geralmente, é considerado porte para consumo próprio; mais do que isso pode ser configurado como tráfico. 

Outros países do bloco, como Chile, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru e Venezuela, não contam com essa subjetividade toda. Neles, o uso pessoal é descriminalizado e são estabelecidas quantias que diferenciam o usuário do traficante. Essa discussão sobre a descriminalização do uso no Brasil já deveria ter acontecido no STF, mas segue sendo adiada. Dá até pra chutar o motivo, né?

O anteprojeto que propõe uma reforma na Lei de Drogas de 2006 sugere que “a aquisição, posse, armazenamento, guarda, transporte, compartilhamento ou uso de drogas ilícitas, para consumo pessoal, em quantidade de até 10 (dez) doses não constitui crime”. Ela também trata do auto cultivo, sugerindo a legalização do plantio de até seis plantas por pessoa.

Acima desses limites, se comprovado pelas características do flagrante para uso pessoal, será considerada infração administrativa. 

Enquanto a descriminalização não acontece…

…a pedida é fazer o possível para reduzir danos. Em um mundo ideal, todo mundo poderia usar a plantinha em locais estipulados sem ser perturbado por carregá-la por aí. Isso acontece em Nova York — onde é possível consumir maconha em todos os espaços onde é permitido o tabaco.

Enquanto não chegamos nesse cenário, vale pesar os riscos e benefícios de qualquer conduta. Mas, se você prefere não arriscar se tornar mais uma vítima do proibicionismo, aqui vão algumas dicas das girls:

  • Evite carregar, com você ou no seu carro, substâncias de uso próprio e/ou apetrechos que você utiliza para consumi-las. Já tivemos casos de amigos que foram parar na delegacia por farelos de maconha em um dichavador.
  • Se for consumir, dê preferência para ambientes que não estejam vulneráveis a visitas de oficiais da lei. Sim, a gente sabe que é bom demais fumar um na rua ou no rolê! Mas as políticas antidrogas são rigorosas, e as abordagens estão cada dia mais truculentas.
  • O cenário ideal seria que cada um tivesse um espaço para usar sua cannabis de maneira segura. Infelizmente, nem todo mundo consegue fumar em casa. A erva ainda é um tabu para muitos, que ainda têm pensamentos super conservadores. Por isso, que tal abrir o diálogo se você mora com outras pessoas?
  • Outra dica é procurar associações canábicas e entender o processo para se tornar paciente medicinal. A maioria das associações pode oferecer consultas com valor social. Tendo sua receita em mãos, é possível tirar uma autorização na ANVISA para a importação de medicamentos. Você nem precisa importá-los se não puder. Mas esses documentos ajudam a comprovar que você usa a planta para ajudar com alguma condição específica.

Saiba a quem recorrer!

Ter o contato de uma advogada ou um advogado antiproibicionista na manga para qualquer eventualidade é fundamental para qualquer maconhista de plantão. As mulheres da REFORMA, por exemplo, são incríveis e ajudam muito na hora de aconselhar quem está em apuros — ou com dúvidas. Aqui, também já entrevistamos elas para falar sobre o que pode e o que não pode em relação ao cultivo!

Agradecemos demais à Gabriella pela participação nesse post, que é bem importante para entendermos as maneiras de lidar com o que o proibicionismo nos oferece.

E você, ficou com alguma dúvida sobre essa temática? Deixa ela aqui nos comentários ou fala com a gente lá no nosso Instagram @girlsingreen710!

Até a próxima!

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