O machismo mata, degrada, silencia. E, no mundo canábico, estamos longe do cenário ideal: a guerra às drogas encarcera, enquanto o novo mercado usa mulheres como “iscas”. Como sair desse ciclo?
Como é difícil falar sobre o feminismo, o machismo e o sexismo – assuntos que rendem TCC, dissertação e tese, e ainda não se esgotam. Mas, hoje, vamos usar esse nosso espaço para pincelar um pouco os conceitos desse tema, pensando também em suas faces na cena canábica.
A cena canábica vem se expandindo pelo mundo, e nós, cada vez mais, temos a oportunidade de explorar tudo isso e entrar a fundo na realidade dessa plantinha. Mas o que podemos fazer quando nos deparamos com o lado feio desse novo mercado? Infelizmente, como mulheres canábicas, não podemos virar a cara para o lado e fingir não ver o quanto o machismo ainda é escrachado – mesmo em um espaço onde as pessoas têm a fama de ser “mente aberta”.
É homem famoso usando mulheres seminuas, em situações até constrangedoras, como chamariz para a sua marca de cannabis. É aquele curso de fazer hash onde você é a única mulher da sala. É, o tempo todo, ter que se reafirmar como conhecedora de coisas pelas quais você lutou, por anos e anos, para saber, entender, propagar e ensinar. É a condescendência. As mensagens de cunho sexual. Além de tudo isso, é o abuso da guerra às drogas, que encarcera mulheres (principalmente pretas e periféricas) em massa.
É uma mistura de ações que tentam nos dizer, dia após dia, que esse não é o nosso lugar.
Bom, só que esse lugar é nosso SIM. E precisamos falar mais abertamente sobre essas situações, pois elas não podem ser normalizadas.
Vamos falar sobre o machismo na cena canábica?Dando nome aos bois
Existem muitas matérias, vídeos e postagens que falam sobre feminismo, machismo e sexismo. Mas, no meio de tanta informação, é comum acabar se perdendo um pouco – principalmente quando não estamos bem familiarizados com a temática. Por isso, vamos fazer uma breve retomada desses conceitos, pra ter certeza de que estamos na mesma página quanto a eles.
O feminismo é um movimento secular, que traz à tona, desde seus primórdios, a falta de direitos das mulheres em uma sociedade patriarcal – dominada pelos homens. Hoje, muito já foi conquistado: o direito ao voto, o direito a trabalhar sem precisar da autorização do marido, o direito a estudar e a ocupar espaços que, por tanto tempo, nos foram negados. Mas essa luta está longe de ter um fim. A violência contra a mulher, o encarceramento feminino e a objetificação dos nossos corpos ainda são pautas que precisam, urgentemente, ser trabalhadas. Vemos ainda a ascensão do feminismo negro e do feminismo LGBTQ+, importantes segmentações que buscam dar visibilidade a minorias há tanto ignoradas.
O machismo é o grande inimigo de todas as mulheres – e, embora muitos ainda não se deem conta, os homens também sofrem por sua causa (se você quer entender o porquê disso, a gente recomenda o documentário The Mask You Live In, da Netflix). Ele pressupõe que somos, por natureza, seres inferiores aos homens. O machismo não está apenas nas atitudes mais severas, mas também em frases preconceituosas, estereótipos, crenças e práticas sociais. E, embora já tenhamos alguns avanços, isso não significa que o machismo foi vencido. Ainda vivemos em uma realidade onde há abusos físicos e emocionais, sendo infligidos contra nós. Então, mesmo que sexismo seja sobre o preconceito contra qualquer sexo, o termo ainda é muito usado para descrever exatamente os efeitos do machismo – porque ele mata.Também é fundamental notar que o feminismo e o machismo não são opostos: enquanto o machismo coloca a mulher em um patamar de inferioridade, o feminismo não procura superioridade feminina, e sim a equidade.
É importante lembrarmos que vivemos em uma sociedade estruturada de forma patriarcal, onde o homem branco é o centro de tudo – até pouco tempo, ele era o provedor principal da família. A mulher era obrigada a se manter em casa, sem estudos, pensando apenas no “bem estar” dos filhos e do marido, abdicando da sua liberdade (e vida). Nesse contexto, tanto o machismo, como o racismo e a xenofobia estão intrínsecos. O primeiro passo é tornar esse problema algo consciente, e, a partir da tomada de consciência, caminhar para a transformação.

Não somos uma propaganda ambulante
Vamos falar sobre objetificação feminina?
Assistentes de palco seminuas, geralmente inferiorizadas por serem “menos inteligentes”. Propagandas mostrando mulheres estereotipadas, usando-as em situações até mesmo degradantes, para vender um produto como “desejo”. A moça bonita contratada apenas pela sua beleza em bares, e tratada sem o mínimo de respeito.
Bom, todo mundo já vivenciou ou viu algo assim. E esses são exemplos claros da objetificação feminina.
No cenário canábico, isso também acontece. Nas últimas semanas, vimos um caso escancarado desses correndo pelas redes e gerando revolta. Esse tipo de situação nos enoja, e faz pensar: como podemos nos posicionar contra isso? Na verdade, nós nascemos buscando ser a própria resistência nesse meio. O Girls in Green veio justamente para quebrar esse paradigma de que “para saber sobre maconha e haxixe, só sendo homem”, e para mostrar que nós, mulheres canábicas, também podemos empoderar umas às outras através de informação e conhecimento.
Se no universo da cannabis é assim, o das extrações é ainda mais dominado pelos homens. Em um curso do Frenchy Cannoli, um dos hash makers mais famosos da cena, a Alice foi a única mulher – entre 42 alunos. Você acha esse tipo de situação normal? É, no mínimo, intimidador tirar suas dúvidas e se sentir julgada por mais de quarenta homens.
No nosso Instagram, principalmente no começo, as pessoas não acreditavam que era uma página de mulheres, como se nós, mulheres, não pudéssemos ter esse tanto de informação sobre cannabis. Esse “monopólio” no cenário é o que torna as mulheres ainda mais vulneráveis, pois os homens detêm o poder – da droga, da dosagem, do efeito, do conhecimento. Dar informações sobre elas também é empoderar, para que mulheres tenham autonomia e tomem suas próprias decisões de forma consciente.
Nessa questão da objetificação, existem reflexões que precisam ser levantadas. Um exemplo é aquela velha desculpa que usamos para nos convencer de que isso não é tão errado assim, que é dizer que as mulheres que estão em situação de opressão “estão lá porque querem”. Primeiro, precisamos pensar entre a diferença entre estar porque se gosta X estar por não ter outra opção. Existem, também, alguns casos em que a mulher está lá por sua própria decisão, mas não simplesmente por querer, e sim pela construção social que nos leva a crer que expor nossos corpos é sinônimo de liberdade. Na verdade, essa exposição não serve à causa, e sim ao capitalismo, ao machismo e ao patriarcado, que ganham ao nos reduzir a corpos. O que nos leva a perceber que, se elas estão lá, não é apenas por esses motivos, mas também devido à demanda. Se algo não fosse consumido, por que existiria?
É preciso lembrar que, numa sociedade capitalista, o próprio consumo é um ato político. Dar dinheiro é dar suporte – e, no momento que você consome uma marca que objetifica mulheres, você está dando o incentivo que ela precisava para seguir fazendo isso. Num universo canábico, para um espaço mais equilibrado, é importante dar suporte para quem a gente acredita – como mulheres e mães solo. Essa é uma maneira de ir contra essa corrente machista, dando um espaço de autonomia às mulheres e reconhecendo sua capacidade de empreender.

Infelizmente, temos mais problemas…
Já falamos ali em cima um pouquinho do caso do “cara que não merece nem que a gente fale o nome” (afinal, a gente não quer dar palco para esse tipo de pessoa, né?). Ele é um exemplo de ser que propaga essa objetificação, tão comum em tempos de Instagram, onde corpos femininos ainda são usados como isca para homens em busca de um “estilo de vida”, ainda é só uma pontinha do iceberg todo. O desligamento da mulher como ser pensante e independente nos traz consequências grotescas – como os abusos que vemos acontecendo em prol da famosa (e fracassada) guerra às drogas.
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Para começar, precisamos colocar que o Brasil possui a quarta maior população carcerária feminina do mundo – com cerca de 42 mil mulheres presas (INFOPEN, 2018). E o quanto ouvimos falar sobre isso?
Antes de entrar no crime, muitas mulheres encontram-se em situação de pobreza e, por vezes, na de abandono. Esses fatores são cruciais no envolvimento com o tráfico. Ainda segundo o INFOPEN, 3 em cada 5 mulheres presas respondem por crimes ligados ao tráfico, o que corresponde a 62% das encarceradas. Ainda, o levantamento aponta que metade das mulheres privadas de liberdade são jovens, 62% são negras, 66% não tiveram acesso ao ensino médio e, em sua maioria, são mães (74%).
Isso nos leva ainda mais a fundo na reflexão do estar por necessidade. Essas mulheres vivem e sentem as consequências do machismo e do racismo – o que torna tão importante a existência de feminismos interseccionais. Não existe feminismo sem recorte de raça, pois nós, mulheres, ainda não estamos em patamar de igualdade mesmo em nosso grupo. Embora algumas violências vivenciadas sejam comuns a todas, precisamos abrir os olhos quanto a nossos privilégios em comparação a outras, geralmente relacionados a questões raciais e de classe.
E como podemos lutar contra essa corrente?
Dar informação é empoderar e elevar as mulheres a sujeitos de sua própria vida. A gente acredita que cada uma deve saber bolar o seu próprio baseado, entender os melhores jeitos de fazer seu corre, conhecer seu corpo, as dosagens ideais e a sua reação – e não depender de homem nenhum para isso. Afinal, um dos princípios da Redução de Danos é nos tornar indivíduos conscientes de nossas próprias ações e limitações. E sabemos, melhor do que ninguém, que ninguém deve impor isso a nós. Ser donas de nós mesmas, através do conhecimento e da vivência, nos torna menos suscetíveis aos abusos e experiências negativas.
Aqui no blog, já falamos muito sobre o quanto acreditamos que a cannabis esteja intrinsecamente ligada ao feminino. Desde a fêmea que traz a flor (e o famoso ditado “se é macho, joga fora”) até o uso da planta desde a antiguidade: uma planta que um dia já foi vista como sagrada, assim como nós, e hoje é criminalizada e coibida – as semelhanças entre nossas histórias e vivências são ainda mais vívidas conforme vamos nos descobrindo. E já estamos conseguindo visualizar algumas mudanças.
Estamos vislumbrando o início de um mercado que pode ser extremamente promissor, e não apenas isso, mas também empoderador. Nós temos o prazer de nos inspirar no dia a dia de muitas mulheres incríveis nesse meio – como:
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A Mercedes Ponce de Leon, uma das fundadoras da Expocannabis Uruguay (que, convenhamos, já colocou muito homem em seu devido lugar);
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A Sunshine, nossa Original Gardener mais amada, que toca a Sunboldtgrown, uma fazenda 100% legal na Califórnia;
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A Margarete Brito, que largou tudo em busca de uma cura para sua filha e, hoje, ajuda tantas outras mães de usuários de cannabis medicinal;
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As advogadas da Rede Reforma, que fazem ações pró-bono, consultorias e trabalham pela regulamentação das drogas e fim do encarceramento injusto proveniente da
política de drogas atual; -
As mulheres do Coletivo Renfa – Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas, que estão por trás de várias ações, como as marchas da maconha e projetos contra o encarceramento feminino relacionado às drogas;
E muitas, mas muitas outras companheiras de jornada. E nós acreditamos que elas são alguns dos principais canais para reforçar essa corrente feminina.
Precisamos também encontrar nossa força e lutar, juntas, pela descriminalização e regulamentação da cannabis no país. Enquanto a guerra às drogas continuar vitimizando mulheres negras e periféricas, ainda não estaremos em patamar de igualdade.
Vamos ouvir mulheres.
Consumir mulheres.
Empoderar mulheres.
E batalhar lado a lado por nós.
Pensando nessa lógica, se você é uma mulher canábica e empreendedora, conta para a gente! Manda seu nome, detalhes do teu trampo, uma foto, um logo se você tiver e as informações como a gente pode te encontrar ou encontrar os teus produtos. Clique aqui para responder o nosso formulário. Vamos fortalecer essa rede entre mulheres!
Como é a sua vivência nos espaços canábicos? Conta aqui pra gente: deixa a sua opinião, sua visão e suas inspirações nessa luta constante pelos nossos lugares nos mais diversos cenários. Esperamos que, com esse texto, a gente tenha pelo menos conseguido levantar algumas reflexões importantes – afinal, estamos todas aprendendo juntas nessa.
Ha algum trabalho sendo desenvolvido no sentido de elucidação das carcerária sobre como podemos ser melhores e mais fortes se formos unidas?
Há algum desenvolvimento de ideias que talvez gere alguma solução para melhoria da condição delas no cárcere?
Ha algum trabalho sendo desenvolvido no sentido de elucidação das carcerária sobre como podemos ser melhores e mais fortes se formos unidas?
Há algum desenvolvimento de ideias que talvez gere alguma solução para melhoria da condição delas no cárcere?
Ha algum trabalho sendo desenvolvido no sentido de elucidação das carcerária sobre como podemos ser melhores e mais fortes se formos unidas?
Há algum desenvolvimento de ideias que talvez gere alguma solução para melhoria da condição delas no cárcere?
Ha algum trabalho sendo desenvolvido no sentido de elucidação das carcerária sobre como podemos ser melhores e mais fortes se formos unidas?
Há algum desenvolvimento de ideias que talvez gere alguma solução para melhoria da condição delas no cárcere?