Um dos maiores países do mundo, o Canadá, foi o primeiro do G7 a legalizar e regulamentar a maconha. Aqui, a gente te conta como foi esse processo e como o mercado da Cannabis se estabeleceu por lá!
No último texto, mergulhamos no assunto sobre o porquê as drogas são proibidas, como o proibicionismo começou e se desdobrou. Com essa base histórica, queremos avançar alguns anos até o presente e acompanhar processos de regulamentação e legalização em alguns países. Afinal, até o país que declarou a Guerra às Drogas atualmente conta com inúmeros estados onde o uso medicinal e até mesmo adulto foi regulado.
A ciência avançou, comprovando a eficácia dos efeitos medicinais e terapêuticos da maconha. Alguns países perceberam a ineficácia do proibicionismo e suas consequências, como o encarceramento em massa, outros enxergaram na legalização um mercado muito lucrativo. Além de poder cobrar impostos da maconha vendida legalmente e reverter esse dinheiro para a população, a legalização atrai investimentos de diferentes setores.
Nesse texto, vamos falar sobre como funciona a legalização no Canadá, primeiro país do G7 a legalizar a maconha recreativa, e quais são efeitos da legalização no país.
Vem com a gente!
Por que o Canadá legalizou a maconha recreativa?
Quando a maconha foi proibida no Canadá em 1923, quase não havia registros de uso da cannabis e, consequentemente, poucos debates sobre o tema. Nos anos 60, a famosa erva do diabo começou a ganhar popularidade no país. Na época, a punição criminal desagradou os usuários. A pena máxima ao usuário por porte de cannabis era de seis meses de prisão e uma multa de US$ 1.000. Parece uma outra vida quando pensamos no Canadá, não é mesmo?
Sempre houve pressão popular dos médicos e psicólogos para uma mudança na leis canadenses relativas à maconha. Em 1972 um comitê chamado Le Dain apresentou estudos defendendo a legalização, mas somente no início do século XXI as leis começaram a mudar.
Em 2001 a maconha medicinal foi legalizada para pacientes com esclerose múltipla, glaucoma, epilepsia, alguns tipos de câncer e Aids, vamos explicar mais adiante como funciona o mercado para pacientes de cannabis, mas voltando a história do Canadá, em 2002 o Parlamento contratou duas comissões oficiais para estudar a questão de drogas ilícitas no Canadá. Ambos comitês recomendaram reformas na política de drogas do Canadá e nas leis sobre posse, uso e distribuição da maconha.
A população e as evidências científicas eram a favor da legalização, mas, após a legalização em alguns estados americanos, ficou evidente para investidores canadenses que a maconha também poderia ser uma commodity, e eles também começaram o movimento a favor da legalização.
Em junho de 2018, o primeiro-ministro do Canadá Judis Trudeau, eleito com promessas de legalizar a maconha, aprovou o projeto de lei C-45, que legaliza a maconha recreativa. O “Ato da Maconha” entrou em vigor em 17 de outubro de 2018 – e o Girls in Green estava lá! Vamos falar sobre isso no final do texto.
Como funciona o mercado?
A lei é federal, mas os estados têm autonomia para regulamentar cada um de sua forma. Qualquer pessoa maior de 19 anos (18 anos em Quebec e Alberta), inclusive turista, pode comprar até 30 gramas de maconha em lojas autorizadas.
A legalização traz uma série de regulamentações – essa é uma das vantagens – e vamos ver mais detalhes do processo.
Cultivo
É permitido plantar até quatro pés de maconha de até 1 metro por residência. Nas províncias de Quebec e Manitoba o cultivo é proibido. Há um autorização especial que deve ser pedida ao governo por empresas que desejam cultivar em larga escala.
Ao todo são 370 empresas com algum tipo de licença especial, 189 para cultivo. A maioria se encontra no estado de Ontario, onde há 86 empresas cultivando. A Bianca *, que é consumidora e está no Canadá, nos contou que é um investimento muito grande para se tornar produtor licenciado e isso dificulta muito para os fazendeiros, que querem se regularizar, “Você tem que construir uma facility nos padrões que o governo pede antes mesmo de poder aplicar pra ver se consegue ou não ser um produtor licenciado. Isso a gente tá falando de um investimento de milhões de dólares!”
Distribuição
A distribuição é feita em lojas autorizadas públicas ou privadas, dependendo da província. A venda on-line também é permitida em todo país.
Mais de 100 empresas privadas já tem autorização para produção e venda no país.
Existe coffee shop no Canadá?
O modelo canadense de distribuição é outro. Diferente do famoso coffee shop holandês, as lojas autorizadas do Canadá só vendem os produtos, mas os usuários não fazem uso dentro dos estabelecimentos.
Venda
Além da maconha é vendido diferente tipos de haxixes e extrações, becks já bolados, sementes e também comprimidos e óleos de CBD, um canabidiol sem efeitos psicoativos, mas com muitas propriedades medicinais. O valor varia em média de seis a dez dólares canadenses mais impostos, que encarecem o produto de 10 a 15%.
Compra
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A compra de maconha é permitida a qualquer adulto dentro do território canadense. O limite de compra é o mesmo de posse. A lei determina a posse de até 30g de maconha seca e explica qual a proporção entre os outros derivados e formas da cannabis.
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5g de maconha fresca, 15g do produto comestível, 70g do produto líquido, 0,25 de concentrado e uma semente de cannabis.
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Isso significa que um usuário pode ter 30g de maconha consigo, mas apenas 7,5g de haxixe!
O QUE NÃO PODE
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Compartilhar baseados entre adultos de graça é permitido! Vender é proibido, sob pena máxima de 14 anos e multa de 5 mil dólares canadenses.
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Os menores de idade também são protegidos por lei e é estritamente proibido oferecer, ainda que gratuitamente, maconha para os menores!
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Dirigir sob efeito da maconha também é proibido! A penalidade é uma multa de 750 dólares canadenses na primeira vez e 30 dias na prisão para reincidentes. Caso um motorista seja pego dirigindo pela terceira vez ou mais, a pena aumenta para 120 dias na prisão.
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Muitos usuários questionam o teste para motoristas, pois dizem que usuário crônicos acusam falso positivo mesmo após 12h sem fumar. Entretanto, não há discussão. A lei de trânsito é severa, e caso haja acidente com vítimas, a pena máxima para o motorista sob efeito da cannabis é prisão perpétua.
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O uso da maconha em locais públicos também é regulamentado e segue as mesmas restrições do tabaco, ou seja, fumar onde o tabaco já é proibido também não pode!
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Sair do Canadá com a maconha canadense é outra consideração importante da lei C-45.
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O descumprimento da quantidade permitida para posse e cultivo também tem consequências, como prisão e multa!
Principais consequências da legalização
Quais os efeitos da legalização no Canadá e como isso serve de modelo internacional, levando em consideração que o país é uma das maiores potências do mundo?
Com a legalização, o controle de qualidade é muito maior, por isso o consumidor sabe a procedência e a espécie de todos os produtos vendidos nas lojas, e os produtos têm a porcentagem dos canabinóides, THC e CBD, definidas. Por outro lado, alguns consumidores apontam que a maconha deve passar por tanta burocracia dentro do mercado legal, que quando chega no consumidor está velha e já perdeu muita qualidade. Outro aspecto positivo é o aumento da arrecadação de impostos. Nos primeiros cinco meses da legalização da maconha, o Canadá arrecadou US$ 139 milhões oriundos da venda de cannabis. Nos primeiros três meses de 2019, a arrecadação foi 12,4% maior que no último trimestre de 2018.
A indústria da maconha é muito promissora para os investidores. Há um ano, seu valor era estimado em 8,6 bilhões dólares canadenses, cerca de 0,3% do PIB do Canadá em 2018. Ainda não há um equilíbrio entre a oferta e a demanda, mas o mercado é otimista.
Em relação a criminalidade, a legalização da maconha não levou a um aumento de desordem ou crime visível nas cidades. Ao contrário, depois da legalização, a taxa de crimes associados com a cannabis despencou. A média em todo país foi 29% menor, mas em algumas províncias o número foi até 39% a menos. Por outro lado, os incidentes de importação e exportação relacionados à maconha aumentaram depois da legalização em 22%.
A legalização da maconha não é perfeita. A imprevisão do consumo e o desequilíbrio entre a oferta e a demanda é um problema. Algumas épocas o estoque da loja não é o suficiente para atender a demanda. A consequência são longas filas, principalmente na capital Ontário, e esgotamento frequente de estoques. Quando a demanda é menor, como aconteceu no final de 2019, empresas como a Canopy Growth perdem um estoque de milhões de dólares canadenses.
Outra questão é que o mercado legal não acabou com o ilegal. Na verdade, a falta de demanda mostra que há muito consumo dentro do mercado irregular. A maconha legalizada é mais cara, faltas pontos de vendas e a maioria está concentrada nos centros da cidade. Isso são alguns motivos para usuários, principalmente aqueles que vivem mais afastados dos centros urbanos, escolherem continuar comprando do mercado ilegal. Bianca salienta esses pontos negativos “O governo não facilitou pra galera obter licenças. Os ternos e gravata não têm paixão pela planta que o cultivador do mercado irregular tem.”
Dr. Susan Boyd, Phd em criminalística e professora da Faculty of Human and Social Development na University of Victoria, aponta alguns pontos que precisam ser melhorados na legalização. Segundo a especialista, o país deveria oferecer mais opções para pequenos produtores e varejistas entrarem no mercado legal. Uma política mais inclusiva para os pequenos fazendeiros é importante para acabar com o mercado ilegal e tornar a venda acessível aos amantes da cultura canábica, e não restrita a grandes empresas e lobbys.
Maconha medicinal no Canadá
Há duas décadas, a maconha medicinal já é legalizada no Canadá. Pacientes com esclerose múltipla, glaucoma, epilepsia, alguns tipos de câncer e Aids conseguiram acesso ao direito de tratamento com cannabis medicinal em 2001.
O mercado já é tão consolidado no país que a maconha medicinal no Canadá serve como modelo para outros países, e desde 2016 a empresa Tilray exporta maconha medicinal para a Europa.
A regulamentação da maconha medicinal é feita pela Health Canada, que criou um regulamento chamado ACMPR (Access to Cannabis for Medical Purposes Regulations), onde são determinados altos padrões de segurança aos produtores e fiscalização aos pacientes, que devem ser licenciados pelo órgão para comprar e também para cultivar cannabis.
A quantidade que o paciente da cannabis medicinal pode portar e o número de plantas que ele pode cultivar muda conforme a prescrição médica de cada um. Os valores são todos definidos pela ACMPR. Além das quantidades, outra diferença em relação ao mercado recreativo é que no medicinal é permitida a venda de óleo de cannabis com THC, desde que não contenha mais de 30mg/ml.
Com a pandemia causada pelo coronavírus, o mundo entrou em quarentena e apenas serviços essenciais continuam funcionando. Para a tranquilidade dos canadenses, mesmo durante a quarentena, os serviços de produção e distribuição da maconha medicinal e recreativo serão mantidos. Um questionamento importante que temos que fazer é o dessa mudança radical da postura do governo perante a cannabis. O que antes já foi considerado uma “erva do diabo”, hoje em dia é um serviço, um produto essencial da sociedade.
Na Nova Escócia, as vendas aumentaram 76% na primeira semana em estado de emergência por causa do coronavírus. Os produtores esperam que a demanda continue em alta durante a quarentena, já que estão todos em casa em um país legalizado.
Girls in Green no Canadá
O dia 17 de outubro de 2018 entrou para a história, e felizmente tivemos o privilégio de acompanhar isso de pertinho. Uma de nós estava presente no dia, junto com centenas de ativistas e simpatizantes pela causa, na frente do parlamento em Victoria, British Columbia.
Foi muito emocionante presenciar um país como o Canadá mudando sua política de drogas e trazendo para a população segurança e qualidade no uso da cannabis. O tipo de legalização que foi instaurada, que logo também vamos falar mais sobre, com a divulgação de um vídeo e entrevista feito com o Steve Rolles, colocou como prioridade a saúde pública, e não interesses de marketing como nos EUA (com propagandas, e etc).
O motivo que nos levou até o Canadá foi o mais interessante: fomos convidadas para apresentar parte do nosso trabalho sobre Redução de Danos e a disseminação dessas informações nas mídias sociais. Que privilégio que foi dividir parte do que fazemos em um país que nos serviu como modelo de inspiração para como lidar com o complexo fenômeno que é a humanidade e o uso de drogas.
Continue acompanhando nossos posts que logo logo vamos divulgar para vocês um material interessantíssimo gravado com uma pessoa que teve um papel essencial na papel da legalização! É tempo de mergulharmos um pouco nas informações sobre esse país que, além de lindo, e legalizado, funciona com bases nos direitos humanos e nas estratégias de Redução de Danos.
FONTES:
Periódicos digitais:
https://super.abril.com.br/blog/psicoativo/como-vai-ser-a-legalizacao-da-maconha-no-canada/
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-50935153
https://super.abril.com.br/blog/psicoativo/como-vai-ser-a-legalizacao-da-maconha-no-canada/
https://exame.abril.com.br/mundo/alimentos-com-maconha-serao-vendidos-no-canada-em-dezembro/
https://www.poder360.com.br/internacional/maconha-legalizada-enfrenta-obstaculos-no-canada-dw/
https://nypost.com/2020/03/24/cannabis-sales-hit-new-highs-in-us-and-canada/
https://www.frankandoak.com/handbook/culture/cannabis-in-canada-a-history
Plataformas oficiais:
https://www.canada.ca/en/health-canada/services/drugs-medication/cannabis/laws-regulations.html
https://www150.statcan.gc.ca/n1/pub/11-627-m/11-627-m2019055-eng.htm
https://transformdrugs.org/cannabis-legalisation-in-canada-one-year-on/
Livros:
An Illustrated History of Prohibition in Canada; More Harm Than Good: Drug Policy in Canada, SUSAN C BOYD,Fernwood Publishing,2017