Pesquisas indicam que, embora existam diferenças físicas entre cepas Indica e Sativa, os conceitos não se relacionam a diferenças genéticas. Vem entender!
“Indica o sofá, sativa te ativa”. Você já deve ter ouvido algo assim por aí, não é mesmo? Os termos indica e sativa foram cristalizados na indústria da cannabis, e muitos consumidores até hoje usam seus conceitos como guia na hora de escolher uma cepa. E isso não acontece só no mercado legal: até por aqui, os consumidores que são privilegiados o suficiente para ir além do prensado entoam o mesmo mantra.
Mas será que é bem assim mesmo que funciona?
O folclore da maconha nos fez acreditar, por anos e anos, que as indicas são espécies mais relaxantes, que deixam o usuário mais sonolento e promovem uma chapação mais corporal. Enquanto isso, as sativas são conhecidas por subir direto para a cabeça e provocar explosões de energia e criatividade.
Entretanto, pesquisas recentes mostram que não há distinções genéticas que suportem essa sabedoria popular. De fato, pesquisadores acreditam que a dicotomia entre indicas e sativas está atrapalhando a indústria e a educação do consumidor.
Bora entender melhor tudo isso?
Não existe diferença genética entre indica e sativa
Sim, já faz um bom tempo que muita gente aponta a insuficiência da classificação indica, sativa e híbrida. Mas basta dar uma breve pesquisada para perceber que ela ainda é amplamente usada, principalmente para fins de marketing. Entretanto, essa divisão é muito generalista para uma planta tão complexa quanto a maconha — e alguns pesquisadores se uniram para confirmar isso.
Dr. Sean Myles e co-autores publicaram um artigo na Nature Plants, onde examinam se essa dicotomia indica X sativa é adequada aos efeitos que os usuários podem experimentar com diferentes variedades da cannabis. Para isso, eles estudaram quase 300 amostras fornecidas pela Bedrocan International, na Holanda.
Após as análises, a equipe concluiu que “as amostras marcadas com Sativa e Indica eram geneticamente indistintas em uma escala genômica ampla”. Ou seja: a divisão entre indica, indica-dominante, híbrida, sativa-dominante e sativa não se relaciona significativamente à chapadeira que cada planta vai provocar, nem com seu perfil químico.
Por conta disso, consumidores menos informados sobre os produtos podem acabar caindo em uma espécie de armadilha. É mais do que possível comprar uma indica que deixa você ligado no 220, e uma sativa que bota você para dormir mais rápido que um Rivotril.
Isto é um enorme problema! À medida que os consumidores de longa data e os “curiosos” entram no cenário regulado, essa disfunção de marketing representa um desafio não só para a afinidade com as marcas e produtos, mas, até certo ponto, para a segurança dos usuários. As pessoas querem saber o que estão comprando e o que pretendem comprar.
Mas de onde veio essa classificação?
Indica e Sativa são conceitos botânicos
Dizer que plantas indica e sativa não possuem diferenças genéticas não é a mesma coisa que dizer que elas são fisicamente iguais — e é aí que entra a pegadinha.
Foram pesquisadores do século 18 que originalmente classificaram a maconha em duas espécies, mas eles tiveram como base a aparência da planta. O biólogo francês Jean Baptiste Lamarck propôs um sistema de classificação de cannabis baseado no fenótipo de amostras que ele recebeu da Índia, de acordo com a revista Cannabinoids.
Através de suas observações, Lamarck afirmou que:
- As plantas de Cannabis indica eram mais curtas e firmes, com folhas grossas e largas que cresciam em padrões alternados;
- A Cannabis sativa era mais alta com folhas finas e plumosas.
Mas seu maior erro foi deduzir que as plantas, por causa de suas características físicas, teriam usos e efeitos diferentes.
Nos anos seguintes, vários botânicos questionaram essa classificação, dizendo que na verdade havia apenas uma cannabis. Ela poderia se adaptar e assumir várias características físicas, ao mesmo tempo em que suas variações poderiam fornecer ao cérebro e corpo diferentes efeitos.
Mas, até hoje, os profissionais médicos interessados nas propriedades curativas da maconha adotaram a dicotomia sativa e indica como forma de tornar a substância mais palatável e menos assustadora para o mainstream, que ficou com medo da droga misteriosa.
Apenas agora, à medida que surgem novas tecnologias que permitem examinar a maconha em um nível molecular, são encontradas ainda mais evidências de que o sistema criado por Lamarck é impreciso.
E qual é o veredito da briga entre indica e sativa?
Quando os pesquisadores finalmente conseguiram olhar para a maconha em níveis granulares, descobriram que a aparência da planta não era tudo, e, como já dissemos, usar suas características físicas para determinar seu efeito era uma abordagem muito simplista.
Através de testes moleculares, eles perceberam que existe apenas uma espécie de cannabis: a Cannabis sativa L.
“Tá, mas como ela pode parecer tão diferente?”
As diferenças que observamos de linhagem para linhagem são bastante marcantes porque o ambiente em que cada planta é cultivada pode mudar seu sabor e perfil de canabinoides, mesmo mantendo sua base genética! Fatores que influenciam tudo isso são diversos, como:
- Temperatura;
- Umidade;
- Nutrientes do solo;
- Quantidade de luz;
- Altitude.
Isso significa que uma Wedding Cake cultivada na Califórnia tem cheiros, sabores, aparência e efeitos que não são idênticas às propriedades físicas e químicas da Wedding Cake cultivada no Colorado. É por isso que muitos experts canábicos dão tanta importância ao terroir (ou seja, ambiente de cultivo) de cada flor e dos produtos originados por elas!
Quase como um bom vinho, se formos parar para pensar.
Perfil de canabinoides e terpenos é a nova chave
Atualmente, algumas marcas do mercado legal estão desenvolvendo uma linguagem de marketing em torno dos efeitos no humor e quantidade de canabinoides de cada produto. Nos rótulos, podemos ver termos como “descanso” ou “felicidade” para transmitir algo mais próximo da experiência que cada usuário pode esperar.
As proporções de canabinoides também estão se tornando mais visíveis nos rótulos dos produtos. Linhas de produtos estão sendo formuladas para abranger desde dosagens mais pesadas de níveis medicinal e terapêutico, até microdoses. E, finalmente, os perfis de terpeno estão chegando às embalagens!
No artigo de Dr. Sean Myles, os autores apontam para os terpenos como um ponto muito mais preciso para quem quer entender a chapação que deve esperar. O perfil de terpenos de cada cepa diz mais a um consumidor bem informado do que palavras como “indica” e “sativa”. Elas vão ser muito mais úteis aos cultivadores que quiserem escolher o fenótipo da planta que mais se encaixa em seu espaço de cultivo.
Portanto, é importante que você aprenda mais sobre:
- Os canabinoides maiores, tetrahidrocanabinol (THC) e canabidiol (CBD), e canabinoides menores, como canabigerol (CBG), canabinol (CBN) e delta-8-THC.
- Mirceno, limoneno, humuleno, cariofileno, linalol e outros terpenos comuns na maconha.
E o que falta?
Primeiro, precisamos entender que a indústria da maconha não conta com um órgão regulador para determinar como as cepas são criadas e classificadas. Então, tudo fica 100% “a Deus-dará”. Isso não acontece, por exemplo, na indústria vinícola — na qual os produtores precisam seguir regras básicas e nomear variedades de acordo com características bem específicas.
Muitas vezes, o erro na classificação de cepas não é intencional. Existe um alto número de cultivadores que recebem suas sementes de maconha de um enorme banco, e nem sempre sabem as composições químicas exatas da planta, eventualmente é colhida e vendida aos dispensários. Entretanto, estados como a Califórnia já exigem uma testagem prévia à venda, o que ajuda na mudança dessa realidade.
Ainda assim, pela falta de conhecimento, os termos indica e sativa são mantidos como forma de “descomplicar” a vida dos usuários. O que é uma grande balela: a experiência do consumidor pode ser totalmente frustrante por conta disso. Mas são poucos os que querem investir na educação para mudar esse cenário.
E aí, deu para entender o problema com essa classificação? Ficou com alguma dúvida? Você pode deixar seu comentário aqui ou dar uma passadinha lá no nosso Instagram @girlsingreen710 para falar com a gente e ver ainda mais conteúdo canábico de qualidade.
Até a próxima!
No Brasil essa ideia errada ainda é vista como verdade absoluta
não só aqui mas na gringa também.
Educar, que é o que vocês estão fazendo aqui, é caro, dá trabalho, exige tempo, conhecimento, paciência. E, sinceramente, a maconha é muito menos simples do que imaginei. E também muito mais mágica e interessante do que imaginei. Obrigada pelo trabalho, mulheres incríveis!
sabe Muito muito 👏👏👏
Quero plantar!