Cultura

Como o hip hop e o rap contribuíram para a cultura da maconha

Antes do sucesso de rappers, MCs e DJs, a maconha era vista como a droga dos Baby Boomers. Hoje, devemos a eles essa verdadeira renascença da plantinha! Vem entender os motivos.
Smoke weed everyday. 

Quem é que não lê essa frase cantando? O hit de Dre e Snoop Dogg é emblemático para a galerinha que não dispensa um beck bem bolado, mas está longe de ser o primeiro ou o único.

Durante o verão de 1989, o mundo viu o boom de um movimento novo na música, com o lançamento de álbuns como Tougher Than Leather, do Run-DMC., It Takes a Nation of Millions to Hold Us Back, do Public Enemy, A Salt With a Deadly Pepa, do Salt-n-Pepa, Power, de Ice-T,  e o famosíssimo Straight Outta Compton, do N.W.A.

A cultura do rap e do hip hop se consolidou nos Estados Unidos e se espalhou pelo planeta, trazendo letras cruas sobre a realidade de vidas tomadas pelo proibicionismo do Nixon. Gangues, tráfico e uso de substâncias passaram a ser experiências contadas por artistas que vieram de dentro desse mundo – o que possibilitou o nascimento não apenas de uma cultura completamente nova, mas o renascimento da maconha como elemento cultural.

Hoje, vamos falar um pouquinho mais sobre esse movimento que marcou, e ainda marca, a história canábica. Quer entender como tudo isso começou? Vem com a gente!

De onde vem o hip hop?

Não existe consenso quando se trata da história do hip hop: há quem diga que ele nasceu em Nova Iorque no início dos anos 80. A partir daí, o ritmo chegou na costa oeste. Mas, como mostra o documentário da Netflix Hip Hop Evolution, ele se desenvolveu e cresceu em diferentes partes dos Estados Unidos.

Um dos espaços mais importantes para isso foi a cidade de New Orleans. Dominada pelo crime, ela apresentava os maiores números de homicídios no país por conta da pobreza, da Guerra às Drogas e do tráfico originado por essas condições. Em festas de blocos, nas ruas, o ritmo passou a se espalhar por conta dos DJs. Nomes como Master T, Cash Money e até mesmo Lil Wayne surgiram a partir desses beats, que passaram a contar a realidade vivida por lá. As referências às substâncias vieram naturalmente, e a representatividade teve um papel crucial para isso.

Mas a cena também foi espaço para que ex-traficantes contassem suas histórias e se posicionarem contra as drogas: o crack ainda era uma epidemia, e Ice-T e vários outros lançaram singles com letras explicitamente antidrogas. Indiscutivelmente, o álbum mais importante lançado naquele ano foi Straight Outta Compton, e o terceiro single do projeto, embora não lançado até 1989, foi “Express Yourself”, um pivô em direção à abstinência.

O que a N.W.A. fez em Straight Outta Compton foi revelador, pois eles abraçaram e expuseram todas as coisas que eram autênticas para seu mundo, agindo, como costumavam dizer, como “o noticiário de TV para o bairro”, em vez de apenas focar em suas rimas.

Mas algumas exceções foram importantes para que o uso de substâncias se normalizasse nas letras, como os Beastie Boys em Licensed to Ill e o Run-DMC em Live at the Funhouse. Ao olhar para os lançamentos de todo o ano, até os álbuns de artistas menos politizados dedicaram pelo menos uma faixa para falar sobre o uso de drogas, mesmo que fosse seguida por uma música glorificando a violência armada ou usando linguagem homofóbica.

“As músicas não se espalharam pelo uso de substâncias, e sim porque o som era bom.” Bun-B

Foto do Funeral do B.I.G no Brooklyn, protesto, pessoas e cartazes
Funeral do B.I.G no Brooklyn
Andrew Lichtenstein/Corbis/Getty Images

Entendendo o contexto

Primeiro surge o hip hop, e depois sua ligação com a ganja. Para entender isso, é importante entender todo o contexto por trás desse fato. Os anos 1980 foram marcados pela cocaína, não pela maconha. Para os brancos ricos, isso era ótimo – mas, para os pobres da cidade, foi o sinônimo de uma “epidemia” de crack galopante. Fumar maconha não era “legal” e estava bem associado aos Baby Boomers, Cheech e Chong, ou hippies nostálgicos que enchiam os shows do Grateful Dead em estacionamentos – nada visto como um ato progressivo ou sexy.

O uso de maconha era quase retrô e, embora as pessoas ainda fumassem, não estava na moda – e definitivamente não fazia parte da cultura popular. Nos subúrbios durante os anos 80, a cultura canábica foi novamente associada a uma raça em extinção de hippies e fãs de heavy metal. Uma pequena exceção era a cultura do reggae, principalmente ligada à popularidade de Bob Marley – um ritmo constante nas rodas de hip hop.

Foto do cantor Ice Cube, Agosto de 1990
Ice Cube, Agosto de 1990
Raymond Boyd/Michael Ochs Archives/Getty Images

Mas isso logo começou a mudar

De acordo com essa pesquisa do Genious, os anos 90 mudaram o jogo no hip hop. Com o lançamento do álbum de estreia do Cypress Hill, em 1991, e The Chronic do Dr. Dre, em 1992, a popularidade da maconha aumentou exponencialmente, chegando ao pico em 1993 como a droga mais referenciada nas músicas do gênero. Em meados da década de 1990, a porcentagem de músicas de rap com referências a drogas aumentou de apenas quatro faixas no início da década de 1980 para 45% de todas as faixas de hip hop.

Gráfico
Créditos: Genius.

A estreia homônima de Cypress Hill pode não ter vendido tantas cópias quanto The Chronic, do Dr. Dre, mas suas referências descaradas à maconha e ao crime lançadas com uma mistura de batidas de rock, funk, soul, ritmos latinos, e samples de reggae cunharam o termo “blunted”. No rastro do sucesso do disco, parecia que todo rapper precisava mudar o discurso e lançar uma faixa que fizesse referência a maconha. A gente pode até supor que Dre habilmente identificou isso e explorou o fenômeno em The Chronic, aumentando exponencialmente a tendência.

“Antes de falarmos sobre isso tão abertamente, era um assunto tabu. Principalmente no hip hop, porque no reggae já se falava em legalizar há vários anos, mas isso era aceito nesse gênero.” – B-Real para Cuepoint.

“Acho que a maconha sempre fez parte da cultura, era apenas underground. Nós só queríamos deixar isso legal de novo. Depois da Guerra às Drogas que os Reagans tiveram, quando eles classificaram a maconha como uma droga de classe um, isso a tornou muito desagradável e deixou os pais realmente preocupados em fumar maconha.” Sen Dog, na mesma entrevista.

A estreia de Cypress Hill continua sendo um divisor de águas na mudança de perspectiva da maconha, mas The Chronic e suas vendas de mais de seis milhões nos Estados Unidos efetivamente o tornaram a obra prima do hip hop canábico. Ao mesmo tempo em que popularizou não apenas a erva, mas diversas gírias e termos que usamos até hoje, Dr. Dre lançou a carreira do maconheiro mais infame do rap, Snoop Doggy Dogg – que ele apresentou anteriormente na trilha sonora de Deep Cover em 1992.

Mais do que apenas celebrar seu uso, a nova geração de artistas de hip hop estava transformando a maconha em algo lírico. Em vez de criar contos fictícios sobre o tráfico de drogas, Notorious B.I.G., Snoop Dogg e, posteriormente, JAY-Z se basearam em suas experiências de vida, tornando claro que eles vendiam drogas antes de lançarem suas carreiras como MCs. Isso se tornou especialmente importante, pois esses artistas estavam dominando as paradas e sendo ousados o suficiente para abrir o jogo sobre quem eram.

Dos anos 2000 para cá

Foi só em 2004 que o álbum Chronic, de Dre, recebeu uma atualização: o responsável por isso foi Cam’ron, do The Diplomats, em seu álbum de 2004 intitulado Purple Haze. O impacto da Purple Haze não foi tanto sobre a mudança de estilos de produção, entregas ou conceito; mas sim suas letras, que misturavam arrogância, raiva e outros sentimentos fortes. Coincidentemente (ou não), 50 Cent, um grande rival de Cam, também citou essa strain em músicas do seu primeiro álbum.

“Estranhamente”, essa subida dos rappers coincidiu com uma das épocas mais acentuadas da venda irregular de maconha na cidade de Nova York, terminando com uma apreensão massiva de Purple Haze em 2006 – que valia $560 a onça.

No que muitos consideram seu ano mais produtivo, em 2008 Lil Wayne escreveu uma ode à sua cepa favorita com “Kush”. Com seu refrão memorável, “Kush” foi um destaque descontraído em uma obra-prima que chamou a atenção para a variedade. Um curiosidade? Wayne esteve na ativa nos primeiros anos do hip hop, lá em New Orleans. Até hoje, ele é um dos rappers que mais lembramos quando falamos de maconha.

Grafico de consumo de drogas X tempo
Créditos: Genius.

Mas também vimos diferentes substâncias ganharem espaço no rap com o passar dos anos. Cocaína, crack, codeína e MDMA também são tópicos frequentes das músicas, mostrando como o uso de drogas é algo vivo e frequente não apenas nas camadas mais marginalizadas da sociedade – como muitos gostariam de associar, mas também em realidades de ostentação, algo que o ritmo explora mais e mais atualmente.

O rap e a legalização da cannabis

A legalização não é o único fator que alimentou o crescimento da maconha no rap e na cultura. O surgimento dos vaporizadores não só tornou mais fácil fumar em qualquer lugar, mas também se tornou um verdadeiro dispositivo visual e de marca, com vários rappers, incluindo A$AP Rocky, tendo canetas exclusivas.

E não são poucos os artistas que tornaram o hip hop grande e, atualmente, investem na planta. Alguns dos principais nomes no mercado são:

Wiz Khalifa: com o patrocínio dos dispensários RiverRock, o rapper lançou a Khalifa Kush, uma cepa também conhecida como “KK”, “Wiz Khalifa” e “Wiz Khalifa OG”. A “real” Khalifa Kush estava originalmente indisponível ao público, mas desde então foi disponibilizada em quantidades limitadas por meio de parceiros selecionados.

Snoop Dogg: um dos nomes mais falados quanto o tópico é rap e maconha, Snoop lançou a linha Leafs by Snoop, que inclui sua erva Snoop Dogg OG e uma linha de comestíveis canábicos. O rapper também lançou a plataforma MerryJane.com em 2015, um site com notícias sobre a erva, saúde e música.

B-Real: há três anos, B-Real anunciou que estava abrindo um dispensário chamado Dr. Greenthumb. Seus outros negócios no ramo incluem a sua premiada cepa Tangie e seu canal do YouTube, The Smokebox.

Cam’ron: já foi confirmado que o rapper trabalhou com a empresa de luxo Chroncierge para produzir sua própria maconha rosa ou roxa – que pode ou não ter gosto de refrigerante de uva. Infelizmente, a cepa é que nem caviar: nunca vimos nem provamos, só ouvimos falar.

Outros nomes incluem Rick Ross, Curren$y, Method Man e Redman, Xzibit, Juicy J, Kurupt, Waka Flocka, Soulja Boy, Migos, Chief Keef, The Game, Riff Raff, Freddie Gibbs, Paul Wall, Nipsey Hussle, Ghostface Killah e Killah Priest.

Snoop Dogg capa da High times
Snoop Dogg capa da High times
Fonte: Pinterest

Embora essas parcerias sejam bem comuns, a indústria da cannabis ainda é um mercado jovem e um pouco complicado de se estar, pois ainda existem barreiras legais e falhas no modelo de distribuição da plantinha. Por exemplo, a MedMen – uma das maiores e mais comercializadas redes de dispensários dos Estados Unidos – tem lutado para lucrar.

Conforme relatado pelo New York Times, a empresa apresentou prejuízo líquido de $66 milhões sobre receitas de $21,5 milhões e perdeu $79 milhões no trimestre anterior. O que é revelador é que artistas de hip-hop estão definindo o tom para o marketing, e com ícones como Snoop, The Game e B-Real de Cypress Hill assumindo papéis maiores no mercado, é justo projetar crescimento e lucratividade, porque (assim como o streetwear) está sendo operado pelo mercado direto, não por corporações.

Hoje, aqui nos Estados Unidos, a galera deve muito da cultura canábica a esse gênero musical, que conquistou fãs ao redor do mundo todo – inclusive, a cena do rap brasileira tem nomes incríveis que foram muito influenciados por esses artistas pioneiros. Aqui, a música também é uma forma de expressar a insatisfação com a Guerra às Drogas, o proibicionismo e a marginalização de usuários e pobres. Mais para frente, fazemos um post só para isso!

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Até a próxima!

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