Entenda como as políticas de drogas na Espanha evoluíram ao longo dos anos e como funcionam os famosos Clubes Canábicos que existem por lá.
Há anos, a Espanha, mais especificamente Barcelona, é um dos centros da cultura canábica no mundo. Muito disso se deve às associações de uso de cannabis instaladas por lá. Por causa da força da luta pelos direitos e, incluindo a cannabis nesse debate no país, desde 2002, Barcelona recebe a maior feira de cannabis do mundo, a Spannabis. Além desse evento, o maior da Europa envolvendo a temática, centenas de clubes de uso associativo funcionam plenamente pelo país.
Entretanto, embora seja berço desse tipo de espaço, a Espanha ainda não conta com uma legislação sólida a respeito do consumo e produção da cannabis. O país tem uma história um tanto nebulosa ao se tratar dessa temática: embora existam clubes e associações canábicas onde o consumo é permitido, em 2017, 8 em cada 10 infrações à legislação antidrogas estavam associadas à cannabis. Parece contraditório, não?
Mas como as proibições em relação à cannabis e a existência de inúmeros clubes e a Spannabis podem coexistir? A gente vai contar um pouquinho dessa história por aqui e trazer a você os pontos positivos e negativos desse tipo de cultura.

O que são os clubes canábicos?
A história dos clubes começou, de uma maneira “extraoficial”, com a Ley Corcuera, de 1992. O que a legislação pretendia fazer era restringir o uso de drogas, mas suas lacunas (mais conhecidas como áreas cinzas da legislação) acabaram permitindo o consumo em locais privados e o cultivo em associações sem fins lucrativos. A partir daí, começaram a surgir clubes fechados para sócios, que oferecem um ambiente mais seguro para que essas pessoas possam consumir a cannabis (bela estratégia de Redução de Danos, não é mesmo?)
Membros da organização podem consumir maconha com fins terapêuticos ou recreativos, de maneira compartilhada, pagando uma taxa mensal. Para ser legalmente constituída, deve estar inscrita no registo regional de associações. Cada província estabelece normas básicas a serem cumpridas, como uma distância mínima de escolas ou saídas adequadas para a fumaça, isolamento acústico e horários. Estima-se que existam cerca de 700 clubes em todo o território espanhol.
Mas nem tudo são flores nessa situação: em Barcelona, a proliferação deste tipo de clube foi tal que a Prefeitura resolveu interferir e regular a situação. Com isso, cerca de 80% das associações podem ser obrigadas a fecharem suas portas. Alguns dos maiores problemas legais originados pela cannabis no país surgem a partir dessa “confusão”: em algumas operações policiais, os investigadores agiram contra associações que consideram que não estão em conformidade com os códigos de boas práticas.

Outros problemas acarretados
Além de afetar o funcionamento dos clubes, a falta de uma legislação clara também interfere na qualidade do que é consumido. Não existe nenhum tipo de controle legal da cannabis – sendo assim, o usuário fica à mercê da honestidade do clube. Afinal, sabemos que, embora a cannabis conte com muitos amantes e conhecedores reais, alguns ainda entram no negócio com a ambição do “dinheiro fácil”, desprezando a qualidade da planta, hashish e concentrados.
Manuel Guzmán, professor de Bioquímica da Universidade Complutense de Madri e um dos maiores especialistas em cannabis do país, alertou sobre esses riscos em entrevista ao El País. Segundo ele, “quando você consome, precisa saber o que está tomando, que variedade, em que quantidade e estar ciente de onde ela veio e quais efeitos colaterais ela pode ter. E tudo isso vem com regulamentação rigorosa – com um produto padrão que é seguro, controlado, bem embalado e rotulado, e de qualidade farmacêutica”.
Ele ainda pontua: “o consumo de cannabis é a mais frequentemente violação da lei em nosso país. A pessoa que recebe no mercado irregular e não sabe o que está consumindo está assumindo um grande risco. Quero dizer pacientes – as 120.000 pessoas na Espanha com esclerose múltipla, epilepsia, câncer e dor crônica que se automedicam, para não mencionar os milhares que gostariam de fazê-lo. Eles precisam do melhor, mas estão sendo negados, enquanto as prescrições de opiáceos, que matam, estão sendo distribuídas”.
Outro problema, além da falta de controle de qualidade e de armazenamento do que é usado, é que a cannabis encontrada em alguns clubes é proveniente do tráfico internacional. Grande parte da erva vem do Marrocos e chega à Espanha de maneira ilegal – ou seja, passa pelas inúmeras dinâmicas do tráfico, colocando pessoas em risco para que as substâncias cheguem na mão dos usuários finais.
As associações geram uma falsa sensação de legalização e de segurança. Mas a realidade é bem diferente: só é possível consumir a cannabis na sua casa ou no clube. Se você for pego com a erva fora de casa, você pode levar multas que chegam a mais de mil euros (sim, e já aconteceu com uma de nós em Barcelona).
Legalização
Assim como no Brasil, a legalização da cannabis na Espanha é um assunto delicado – mesmo com as brechas na lei. Antes mesmo dos anos 2000, penalistas receberam um informe sobre a viabilidade legal de prescrever medicinalmente maconha e sobre a possibilidade de abrir locais de aquisição e consumo privado. Mas coffee shops abertos, como há na Holanda, foram taxados como inviáveis no país.
A grande questão que engloba a regulamentação da cannabis (não apenas na Espanha, mas no mundo todo) é a segurança do consumidor terapêutico ou medicinal. Por isso é que se torna cada vez mais importante a abertura de debates sobre essa causa tão importante. Afinal, sabemos que a qualidade e a procedência da erva são dois pontos extremamente importantes para a redução de danos, e podem comprometer a saúde de quem busca por um remédio puro e natural.
FONTES
http://www.emcdda.europa.eu/countries/drug-reports/2019/spain/drug-laws-and-drug-law-offences_en
https://brasil.elpais.com/brasil/2017/02/16/internacional/1487256030_163002.html
https://www.shbarcelona.com.br/blog/pt/maconha/
https://geaseeds.com/blog/pt-pt/marijuana-na-espanha-situacao-atual/