O ativismo é importante para mudar leis e estruturas que não concordamos. No caso do ativismo canábico, já tivemos muitas conquistas, mas a luta deve continuar para que sigamos mudando as leis no Brasil. Quer saber um pouco mais sobre isso?
Sempre que falamos de política e história por aqui, trazemos dados e evidências de que a maconha fez parte da história e da formação social de algumas civilizações. A cannabis era usada tanto como um medicamento como também em rituais sagrados ou religiosos, trazendo uma oportunidade de meditação e maior conexão com a terra. Por isso, acreditar em um mundo livre de cannabis é algo irreal. Num mundo onde temos tantas leis e propagandas proibicionistas relacionadas a uma planta que já estava aqui antes mesmo de nós, surgem esses movimentos de ativismo canábico – tentando resgatar o direito ao acesso a essas tradições seculares.
Militar por uma causa de justiça social é o que dá sentido à vida de muitas pessoas. Afinal, estamos em um país no qual grande parte da população mais vulnerável e marginalizada é alvo ativo da segregação proibicionista. Além disso, como assistir, de braços cruzados, tantas vidas sendo ceifadas por uma falsa “guerra às drogas”, e tantas outras sem a devida qualidade por falta de um medicamento que deveria ser acessível a todos?
É em volta de todas essas questões que o ativismo canábico ganha força no Brasil e no mundo, e vem, pouco a pouco, através de muita luta, mudando legislações injustas. Vamos falar mais sobre isso?

Breve história do proibicionismo
Como já falamos por aqui, o proibicionismo surge na sociedade moderna, mais precisamente na segunda década do século 20, como uma política muito mais complexa do que uma questão de saúde pública. Não tivemos nenhum grande estudo científico que concluiu os perigos da maconha – ao contrário, os estudos antigos já começavam a comprovar os usos medicinais da cannabis, mas outros interesses maiores moveram o proibicionismo da forma como conhecemos hoje.O Brasil foi o primeiro país do mundo a ter uma menção proibicionista, em 1830, no Rio de Janeiro. Em um momento pós-abolicionista, em que a elite não queria dar oportunidades aos negros, nem respeitar a cultura e tradição desse povo, diversas expressões afro descendentes foram proibidas. A maconha, também chamada de pito de pango, foi proibida, assim como a capoeira, o candomblé e as rodas de sambas na rua, consideradas um crime de vadiagem.
A primeira menção proibicionista que aconteceu internacionalmente foi em 1912, na Convenção Internacional do Ópio. A Itália e os Estados Unidos tomaram frente no discurso proibicionista. A seguir, o Egito também se posicionou contra a cannabis. Já a Índia alegou que havia uso cultural e religioso da substância no seu país. As divergências dentro do comitê acabaram em 1925, quando a maconha passou a ser desaconselhada, e sua exportação para uso sem fins medicinais proibida.
Em 1930, foram criados importantes órgãos para o controle de drogas nos Estados Unidos: a famosa FDA (Food and Drugs Administration, ou Administração de Alimentos e Drogas) e a FBN (Federal Bureau of Narcotics, ou Agência Federal de Narcóticos). Em 1937, a posse, uso e cultivo da Cannabis foi oficialmente proibida em todo território americano pelo Marihuana Tax act, do presidente Roosevelt. No Brasil, a maconha foi proibida federalmente em 1932.
O termo “mecanismo de controle social” é trazido por Michel Foucault, que afirma que o processo penal como todo serve de suporte para uma classe criminalizar a outra classe. Foucault aponta como o sistema carcerário serve como aparato de controle a partir do termo “delinquência útil“. Segundo o autor, a delinquência útil é uma forma de vigilância, que funciona em harmonia com o sistema carcerário para controlar a população.
Se no Brasil a maconha foi associada aos hábitos dos negros, nos Estados Unidos a plantinha era ligada aos mexicanos, que migraram legal e ilegalmente para país em busca de melhores condições de trabalho. São fatos como este que demonstram o quanto a proibição vai para além da questão de saúde, podendo ser uma forma de proibir rituais e hábitos de populações específicas. Em suma, proibir a sua cultura e práticas, e tornar ilegal traços da mesma, é justamente entrar no quesito de “delinquência útil”. Impressionante como o controle foi disfarçado com um discurso de cuidado, né?
Quem fortaleceu esse discurso em diversos países ao redor do mundo foi a mídia, com as propagandas. O papel da mídia é fundamental para construir o pensamento da população e estimular a opinião pública contra os imigrantes, negros e a maconha propriamente dita. A informação tem um papel muito importante, pois pode alienar, mas também pode aproximar as pessoas de um certo conhecimento. E é por isso que nós, Girls in Green, compartilhamos informações com tanto carinho com vocês. Nós acreditamos no potencial da mudança que a informação pode trazer!
Voltando ao século XX, os movimentos de contracultura, muito importantes para as lutas das minorias, começam a surgir porque nem toda a população aceitou esse mecanismo imposto calada.

Movimentos de contracultura
Os movimentos de contracultura surgem mundialmente em um momento pós-guerras, em que várias estruturas, principalmente patriarcais, estavam sendo questionadas. Dentro desse movimento, outros movimentos nasceram, sendo o mais conhecido o movimento hippie. Essas pessoas queriam paz – ao mesmo tempo, elas não queriam mais ficar caladas e apenas concordar com todas as atitudes do Estado.
O despertar feminista foi fundamental para o surgimento desses movimentos, que também lutavam pelos direitos dos homossexuais e pelo fim do racismo – em alguns países, institucionais.
1968, também conhecido como o ano que não acabou, foi marcado por manifestações estudantis em todo o mundo e no Brasil, na época em ditadura. O AI-5, medida mais autoritária da ditadura militar brasileira, veio em resposta aos movimentos estudantis no mesmo ano. Entretanto, a luta não diminuiu – pelo contrário. Os movimentos se tornaram mais organizados e exigiam o fim da ditadura, liberdade de expressão e manifestação.
O movimento antiproibicionista está dentro dos movimentos de contracultura, e ganha força quando uma parcela da população consegue perceber as motivações políticas e econômicas por trás da proibição das drogas. Outra questão é entender que as consequências da dita guerra às drogas – como encarceramento em massa, principalmente da população negra – são piores que os efeitos das drogas em si.
Os movimentos ativistas defendem a criação de um mercado legal e regulamentado, onde as substâncias vendidas são seguras para o uso, o acesso à elas é seguro também o Estado (ou até empresas privadas) pode lucrar, coleta de impostos, sobre a cadeia produtiva e venda da maconha. Que irônico pensar que isso já acontece no país que tomou frente no proibicionismo e criou o termo guerra às drogas, né? Mas nos Estados Unidos, em alguns estados em que a maconha é legalizada, o faturamento em impostos chega a US$ 70 milhões anuais.
A luta por uma lei de drogas mais justa e inclusiva também tem como princípio a liberdade e autonomia do indivíduo. Sabemos que a maconha tem efeitos diferentes em cada pessoa, mas acreditamos na capacidade de cada um em decidir o que é melhor para si! Sem esquecer que a cannabis tem inúmeras propriedades medicinais, que por muitos anos não foram devidamente pesquisadas e usadas por causa do proibicionismo.
Atualmente, voltamos ao debate sobre cannabis medicinal e estamos mais próximos do que nunca de uma legalização a nível federal, mas a luta por remédios gratuitos e acessíveis para toda a população ainda é necessária – afinal, o ativismo não deve ser só dentro da esfera acadêmica e da elite branca privilegiada. Os mais vulneráveis e atingidos pela guerra às drogas são as populações negras e periféricas, e é por eles e para eles que as lutas devem acontecer.
Seguindo essa linha de raciocínio, a “Rede Nacional de Coletivos e Ativistas pela Legalização da Maconha” trocou o nome para “Rede Nacional de Coletivos e Ativistas Antiproibicionistas”- RENCA Antiproibicionista, que engloba as lutas antimanicomial, pela redução de danos, pelo uso terapêutica de substâncias psicoativos, pelo abolicionismo penal, pela desmilitarização da polícia e da vida e as lutas LGBT, anti racistas e feministas.
A princípio pode parecer que são lutas desconexas, mas precisamos levar em consideração que as mulheres são as principais afetadas pelo proibicionismo. As drogas são o motivo que encarcera 60% das mulheres no Brasil – na maioria dos casos, essa prisão é consequência de ações dos seus companheiros. Mesmo assim, a militância continua sendo um espaço machista, difícil para uma mulher ocupar espaço. Portanto, a luta antiproibicionista também é uma luta feminista.

Movimentos ativistas no Brasil
A militância engloba várias formas de lutar por uma causa que a pessoa acredita. Ela pode estar atrelada com um movimento político ou pode fazer parte do cotidiano. A militância começa em casa, conversando com a própria família, mudando seus hábitos e sua forma de viver, e se expandir para a rua. Vamos falar um pouquinho sobre esses movimentos ativistas da luta na rua, no contexto da educação ou mesmo no acesso à cannabis:
No Brasil, temos diversos movimentos ativistas diferentes. A Marcha da Maconha, que ganhou forças especialmente depois de 2011, quando o STF considerou as manifestações parte do direito de expressão e não apologia às drogas, é o coletivo dos coletivos no Brasil. Isso porquê a Marcha não tem uma liderança hierárquica e abrange diversos movimentos.
A Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal (AMA+ME) é outro nome importante para o ativismo no Brasil, pois é uma associação que reúne pacientes e colabora com universidades e pesquisas na área da cannabis medicinal. O objetivo do coletivo é produzir e lutar pelo acesso da maconha medicinal, com o controle adequado de qualidade e baixo custo.
A Abrace, Associação Brasileira de Cannabis Medicinal e Esperança, também luta pelo acesso aos tratamentos à base de cannabis medicinal. A associação acolhe pacientes, dando informação e suporte para que os mesmos iniciem um tratamento usando cannabis medicinal. A instituição também tem autorização definitiva para cultivar plantas ricas em CBD e THC para fins medicinais e produzir o Óleo Esperança, e ainda oferece apoio jurídico para os associados.
A APEPI, Associação de Apoio á Pesquisa e à Pacientes de Cannabis Medicinal, surgiu com a união de mães de crianças e jovens com epilepsia ou outras doenças causadoras de convulsão. Muitas dessas mães enfrentam um enorme desafio para controlar as crises e convulsões dos seus filhos com remédios convencionais. A APEPI une hoje familiares de pacientes, pacientes e todos que acreditam no uso terapêutico da cannabis. A associação luta por uma nova legislação, que permita maior acesso, mais pesquisa e maior liberdade individual, tendo como o principal objetivo garantir a todo brasileiro o direito à informação e acesso ao tratamento com a maconha medicinal.
A Sociedade Brasileira de Estudos da Cannabis, SBEC, é outra associação científica muito importante para o ativismo brasileiro. Formada por profissionais e acadêmicos de diversas áreas, tem o objetivo de promover, consolidar e expandir as pesquisas científicas e a formação de profissionais no Brasil.
A Acuca, Associação Cultural Cannábica, é mais uma associação com grande impacto no ativismo. Com o objetivo de articular diversas áreas e conhecimentos relacionados aos diferentes usos da planta, a Acuca defende a legalização pensada como a melhor estratégia política para os usuários, e principalmente para a sociedade. Atuando na organização de debates e atividades diversas para integrar a comunidade canábica, o objetivo é influenciar as políticas públicas e representar a luta antiproibicionista.
Os pesquisadores, mães e cultivadores que lutam por uma política de drogas mais justas ou que plantam em suas casas também são ativistas e estão lutando da forma que podem. Qualquer prática de desobediência civil também é militar e também faz parte dessa luta antiproibicionista. Cada um milita dentro da sua própria realidade – o que move é o amor pela causa e a vontade de fazer justiça social.
A militância começa em casa, com os amigos e com a família. Se informar, compartilhar informações, assim como a desobediência civil, são meios de entrar na causa. Mas agora, mais do que nunca, a luta antiproibicionista deve priorizar aqueles em situação de vulnerabilidade.
A liberdade e o direito dos usuários são muito importantes, mas, em tempos de coronavírus, o maior problema são as cadeias superlotadas, onde 20% dos presos estão por crimes relacionados a drogas. Vale a pena ressaltar que a Lei de Drogas no Brasil não cita uma quantidade que diferencie tráfico de usuário, deixando critérios racistas e socioeconômicos serem determinantes.
A situação dos presídios no Brasil, terceira maior população carcerária do mundo, é lamentável. Esses presos hoje lutam pela vida e pelo direito de conseguirem receber um tratamento adequado em meio a uma pandemia.
Qual é o seu jeito de militar por essa causa? Nós esperamos que, com esses dados, a gente possa inspirar você a começar – mesmo que seja aos poucos, levando a informação para dentro de casa. Muitas vezes, o ativismo mais importante começa dentro do nosso próprio círculo, com pequenas ações. Se mudarmos as opiniões e combatermos preconceitos, um por vez, mudamos o mundo, e transformamos nossos espaços em lugares mais justos.
FONTES
https://movimentorevista.com.br/2016/04/militancia-antiproibicionismo-brasil/
http://ittc.org.br/so-havera-antiproibicionismo-se-for-feminista/
https://lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/196127/001093515.pdf?sequence=1&isAllowed=y
https://www.justificando.com/2020/04/22/da-janela-do-privilegio-batendo-panela-e-fumando-maconha/
MICHEL FOUCAULT VIGIAR E PUNIR, 1987
http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen-mulheres