No mês de conscientização sobre a saúde mental e seus distúrbios, queremos responder uma pergunta muito importante: existem riscos em misturar maconha e antidepressivos? O psiquiatra Rafael Baquit vai nos ajudar a responder!
Relaxar, dar umas risadas gostosas e sentir que o mundo fica mais leve: alguns dos principais efeitos da cannabis, quando usada com moderação, são o que levam muitos pacientes diagnosticados com ansiedade, depressão e outros distúrbios a procurar alívio em suas flores. Afinal, ela é um remédio natural. O que poderia dar errado nisso?
Bom, algumas coisas, né?
Vamos começar: a automedicação com a cannabis pode ser perigosa, mascarar sintomas e prejudicar o tratamento – ainda mais quando ela se torna parte de um comportamento compulsivo. Assim como qualquer outra substância, ela deve ser prescrita de acordo com a avaliação de um profissional da área da saúde ou ser usada de forma mais controlada. Além disso, se você (ou algum paciente que você conhece, amigo ou familiar) usa a cannabis junto com antidepressivos ou ansiolíticos, é fundamental entender como acontece a interação entre todas essas substâncias. É sempre melhor prevenir do que remediar qualquer problema!
Para nos ajudar a desvendar os mistérios que envolvem a relação entre a maconha e os remédios psicotrópicos, chamamos o médico psiquiatra e redutor de danos Rafael Baquit. Aqui, você confere em primeira mão os pontos que ele nos trouxe!
Afinal, como as drogas interagem?
Para o psiquiatra, a primeira coisa que precisamos entender é sobre como as substâncias interagem entre si. Elas podem interagir de uma forma grosseira, como droga depressiva e droga depressiva, droga estimulante com droga estimulante. Ou uma droga estimulante com uma droga depressora. Dessa forma, segundo ele, é mais previsível.
Mas, no caso da cannabis, a coisa muda de figura: não dá para considerar esse tipo de interação pois, dependendo da substância que está sendo utilizada, do contexto de uso e do próprio indivíduo, ela pode se comportar como estimulante, depressora, psicodélica ou controladora. Os efeitos do seu uso podem ser variáveis por conta da complexidade da planta, que pode ter diferentes perfis de canabinoides e terpenoides.
Uma cannabis que tem muito CBD pode ser considerada mais depressora, enquanto uma cannabis que tem muito THC pode ser considerada mais psicodélica.
Mesmo aqui no site, já falamos sobre as interações da cannabis com outras substâncias, e temos até uma tabela bem explicativa para mostrar essas interações mais comuns:
A metabolização das substâncias
Outro tipo de interação a qual se dá muita atenção na psiquiatria é a interação com base na metabolização de cada substância. O termo metabolismo vem do grego metábole, que significa mudança, e é usado para descrever as várias reações químicas existentes no organismo que garantem as necessidades estruturais e energéticas de um ser vivo. Entre as finalidades dessas reações químicas, podemos citar a síntese e quebra de biomoléculas, a produção de energia e a conversão de moléculas dos nutrientes em unidades precursoras de macromoléculas.
Rafael nos conta que as substâncias, de forma geral, são metabolizadas pelo nosso fígado. Essa metabolização das moléculas, qualquer que seja ela que está circulando em nosso sangue, se dá por alguns mecanismos, mas principalmente por um grupo de enzimas que a gente chama de citocromo P450.
Segundo o psiquiatra, no citocromo P450, temos vários tipos de enzimas diferentes, e cada molécula é metabolizada por uma enzima ou por grupos enzimáticos diferentes. Algumas moléculas têm o poder de induzir essas enzimas para que elas trabalhem mais, enquanto outras moléculas têm a capacidade de inibir essas enzimas para que elas não funcionem.
Por exemplo:
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A fluoxetina é um antidepressivo pan inibidor do citocromo P450. Ou seja, ele inibe as enzimas do citocromo P450 de forma geral, então ela faz com que todas essas moléculas aumentem a concentração no sangue. Por isso, a fluoxetina é uma das medicações mais problemáticas de interagir com os psicodélicos, pois induzem ao risco de síndrome serotoninérgica.
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Já a carbamazepina é um pan indutor, ou seja, ela induz as enzimas do citocromo a funcionarem de forma mais intensa. Dessa forma, ela diminui a concentração dos outros fármacos no sangue.
No caso da cannabis…
Segundo Baquit, de forma geral, os canabinoides não vão interagir com os ansiolíticos, reguladores de humor e antipsicóticos. As pesquisas que existem são para entender como os canabinoides são metabolizados, e como eles vão interagir com outras substâncias a serem metabolizadas pelo nosso organismo.
A “preocupação”, para o médico, é com as medicações que precisam ser metabolizadas pelas mesmas enzimas que metabolizam os canabinoides. Ele chama isso de interação por competição: se você já tem muitos canabinoides sendo metabolizados, outras moléculas que precisam dessas enzimas podem ficar concentradas no seu organismo e fazer um efeito maior, mais forte.
Sempre existe um risco, até porque se o efeito de uma molécula é imprevisível, a interação de moléculas é mais imprevisível ainda. Quando falamos de metabolização hepática, vamos ter pessoas com mais enzimas hepáticas, com menos enzimas hepáticas, com o fígado funcionando melhor, ou com o fígado não funcionando tão bem, além de outras coisas que a pessoa usa e a saúde de uma maneira geral.
“Se existe um risco, esse risco é variável e difícil de calcular.”
Mesmo assim, Rafael ainda afirma que, como psiquiatra e redutor de danos, está muito acostumado a acompanhar pessoas tomando diferentes tipos de psicofármacos e usando cannabis – mas nunca teve um problema clínico em que suspeitasse que tivesse relação entre cannabis e a interação com fármacos. “Há poucos relatos, com alguns anticonvulsivantes e com o topiramato, que as pessoas estão usando muito para emagrecer, mas que é usado para quem tem problemas com álcool, com cocaína e crack”.
Na interação com CBD, há um alerta: em cartilhas feitas pelas próprias empresas farmacêuticas que produzem remédios à base de CBD, chama-se atenção para a interação entre antidepressivos com essas moléculas. Segundo elas, há um risco de sonolência, fadiga e problemas gastrointestinais, que não são incomuns quando os remédios são consumidos concomitantemente.
A cannabis pode atrapalhar tratamentos psiquiátricos?
Só quem já foi ao psiquiatra e demorou para achar a medicação e dosagem certa para ter uma qualidade de vida melhor sabe que até esse encontro é difícil, não é, minha gente? E, com a maconha, que é uma substância que tem inúmeros compostos, não seria diferente: por estarmos distantes de um mercado legal e muitos pacientes fazem a automedicação, isso se torna mais complicado ainda
Então, embora na área de interação com antidepressivos os riscos sejam muito baixos, é importante prestar atenção em alguns outros pontos:
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Pessoas que usam cannabis e pioram nos sintomas psicóticos;
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Pessoas que usam cannabis com frequência (inclusive a depender do tipo de cannabis) e dessa forma têm uma piora nos quadros depressivos;
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Pessoas que têm transtornos de ansiedade, com crises de ansiedade e pânico, que têm crises induzidas por uso de THC.
Para Baquit, tudo isso significa que, em certas situações, o uso de cannabis pode dificultar o tratamento psiquiátrico – enquanto, em outras, pode ser vantajoso.
É uma situação que tende a variar de paciente para paciente: mesmo com o mesmo diagnóstico, a reação ao uso da cannabis vai ser única e depender de muitos fatores. Assim, fica difícil a gente deixar pré-estabelecido quem é que se prejudica com o uso de cannabis no tratamento psiquiátrico ou não, porque em algumas pessoas a cannabis vai ser um coadjuvante, ou mais um medicamento, e em outras pessoas vai ser um dificultador.
Também há evidências que sugerem que os pacientes são mais propensos a fazer mau uso de cannabis ou a transição do uso ocasional para o crônico quando estão deprimidos. Na verdade, aqueles que sofrem de ansiedade ou depressão usam cannabis em taxas entre duas e oito vezes maiores do que aqueles sem essas condições.
E as outras substâncias?
O desejo de fazer uso de drogas e de querer melhorar os quadros de saúde mental não exclui um ao outro. Mas afinal, como conciliar o uso de substâncias com antidepressivos? Algumas causam mais danos que outras, e ter essa informação é poder reduzir danos e escolher, com consciência, aquilo que faz sentido para si.
Rafael conta que, em sua rotina, o uso de substâncias durante um tratamento psiquiátrico é analisado caso a caso. É importante entender como cada uma dessas moléculas pode piorar um quadro ou não fazer grande diferença. Um exemplo é a bebida alcoólica: álcool é um depressor, então é comum pessoas que estão deprimidas fazerem uso do álcool e terem uma piora nos quadros depressivos.
Mas ele é enfático ao afirmar que essas “pioras” tem muito mais a ver com os quadros de uma forma geral do que no funcionamento de antidepressivos ou ansiolíticos.
Então, o mais preocupante não é necessariamente a interação entre eles e outras substâncias, e sim a interferência dessas substâncias em cada quadro psiquiátrico.
Algumas observações sobre essa temática são:
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Uma pessoa que está fazendo tratamento com antidepressivos e toma ecstasy pode ter uma síndrome serotoninérgica nessa interação, assim como uma rebordosa (aquela sensação de desconforto, desagradável, que aparece depois que o efeito da droga vai embora) de ecstasy para uma pessoa que tá fazendo tratamento para depressão pode ser um tanto mais pesada; pode ser um dificultador nesse processo.
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O uso de cocaína também tem rebordosas que muitas vezes envolvem sintomas depressivos. Se elas podem ser difíceis para pessoas saudáveis, imagina para quem luta contra algum transtorno!
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Com os psicodélicos semelhantes à serotonina (psilocibina, DMT e LSD-25), não se ouve falar de casos de síndrome serotoninérgica. “A gente vê inclusive as pessoas que estão no Santo Daime, que tomam antidepressivo, que não param de tomar antidepressivo, vão lá e bebem ayahuasca por cima, e nada acontece”.
E Rafael dá uma dica interessante: segundo ele, a forma mais comum de manejar as pessoas que querem ter experiências psicodélicas e estão tomando antidepressivos é basicamente suspender o remédio no dia em que a substância será usada. Mas isso tem que ser acordado com seu psiquiatra antes, ok?
Curiosamente, muitos médicos relatam que alguns pacientes que usam cannabis, álcool ou outras drogas durante o tratamento – particularmente aqueles com depressão grave ou transtorno bipolar – têm menor probabilidade de aderir aos protocolos de tratamento, incluindo medicamentos prescritos e intervenções comportamentais, por exemplo, terapia cognitivo-comportamental, psicoterapia, etc. Então, esse é um ponto de alerta, e é aí que os profissionais antiproibicionistas são de grande ajuda!
E o que podemos concluir com tudo isso?
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A cannabis não interage de forma a diminuir o efeito de antidepressivos e ansiolíticos de forma geral, mas é preciso ter cuidado com seu uso concomitante a medicamentos específicos – como alguns anticonvulsivos.
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Usos negativos da planta, como em grandes quantidades ou com maior concentração de THC, podem ser desafios no tratamento de distúrbios psiquiátricos. No caso da ansiedade, por exemplo, um alto teor de THC pode ser responsável por desencadear crises.
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Alguns psicodélicos podem interagir de uma maneira mais desafiadora com antidepressivos, podendo levar a síndromes serotoninérgicas – e o ecstasy é o principal ponto de atenção nesse quesito!
O que vale lembrarmos é que as nossas experiências são subjetivas – portanto, nada mais importante do que termos um acompanhamento profissional, no qual possamos tratar desses assuntos de forma livre e aberta. Fazer a automedicação com cannabis ou com qualquer outro fármaco, ou parar o tratamento sem autorização médica, são ações que podem colocar nossa saúde mental em risco caso não saibamos exatamente o que estamos fazendo.
Fica a nossa dica, como redutoras de danos que querem sempre ver a galerinha canábica do nosso coração bem: procure um profissional com quem você tenha abertura para falar do seu uso de substâncias, bem como entender qual o seu papel – entre benefícios e malefícios – em meio ao tratamento de qualquer distúrbio. Isso vai dar muito mais segurança a você na hora de tomar suas decisões conscientes!
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Estou subistituindo os remedios anti depressivos cor canabes por minha conta, ja tem dois dias e ainda não estou sentindo nada da falta dos remédios, mais vou falar com meu neurologista.
E aí, como foi?
Eu me ferrei por fazer isso.. passei um mês sem tomar os remédios e então minha situação piorou.. de crises passei a ater surtos..
tem que fazer o desmame primeiro e nao tirar de uma vez
Achei muito interessante o texto passa bastante informação. Mas quando um especialista ajuda é sempre bom colocar seu crm/crp e afins..
Parabéns
Adorei o artigo! Muito claro! Foi bastante útil pra esclarecer minhas dúvidas!! Obrigada!
é galera é difícil, mas não deixem que nenhuma substância tome controle, busque ajuda médica, amigos e familiares que vão fazer de tudo para te deixar bem, por conta de me auto medicar eu acabei me tornando outra pessoa. Mesmo não tendo abstinência, eu levei o uso como algo muito importante sendo que era para ser algo recreativo.