Perpetuamos preconceitos sem querer, às vezes nem nos damos conta. Da onde vem esse nosso comportamento? Somos influenciados desde o nascimento a reproduzir pensamentos e ações tóxicas. No texto escurecemos o assunto apontando algumas questões sobre o racismo.
Texto por: Marcio Makana
Ninguém nasce racista. Nem os supremacistas brancos nascem racistas. Assim como ninguém nasce machista e nem homofóbico.
Somos ensinados desde o momento do nosso nascimento a enxergar essas diferenças e ensinados a propagar esses diversos preconceitos. Como desde pequenos muitos foram apresentados a um mundo onde, a maioria das mulheres, a sua volta e na TV, cuidava da casa e os homens, por sua vez, garantiam o sustento do lar e moviam o motor da sociedade.
Em um mundo onde uma pessoa preta na rua de madrugada significa que você deve mudar de calçada, pois afinal o jornalismo policial majoritariamente mostra que esse é o perfil de um bandido. Essas imagens estereotipadas são forjadas no nosso imaginário. Forjadas com cada piadinha que tenta enquadrar a pessoa naquela caixa, forjada com a novela reproduzindo sempre esses mesmos modelos engessados: a mulheres dependentes de homens, pretos como subalternos e heróis majoritariamente brancos. Quando olhávamos as posições de liderança na nossa sociedade víamos essa mesma distribuição desigual (e eu digo víamos não que já tenha mudado, mas por estar mudando).
Então quando esses valores começam a serem incorporados ao nosso pensamento?
Carregamos ensinamentos familiares até hoje. As assimilações que fazemos nas idades mais infantis são colocadas ali em um momento em que não temos arcabouço intelectual para criticá-las. Estamos falando de bebês e crianças, assim muitas dessas noções são simplesmente abraçadas. Você provavelmente foi ensinado a tomar banho pelos seus pais e também é bastante provável que carregue alguns desses mesmos hábitos até hoje debaixo do chuveiro. Na maneira que você lava atrás das orelhas, ou esfrega o pescoço, ou a ordem de membros lavados, enfim…
Desde o momento do nosso nascimento, somos inundados com hábitos das pessoas próximas, com as visões de mundo que nos ensinam dentro de nossas casa, por exemplo expressões cômico corriqueiras como: “preto quando não caga na entrada, caga na saída”, “mulher no volante, perigo constante”, “amanhã é dia de branco” ou “isso deve ser falta de louça pra lavar”. Há uma grande possibilidade de você já ter escutado frases extremamente preconceituosas dentro do seu círculo familiar, é algo tão palpável quanto a figura do “tiozão do churrasco”. Todos nós conhecemos essa figura sem noção.

Posteriormente essas ideias são reforçadas na escola de duas maneiras:
A primeira com autores reconhecidamente racistas nos pilares da nossa formação, como Monteiro Lobato. Pesquise sobre o pensamento eugenista desse escritor, ele chegou e tentar publicar um texto abertamente racista intitulado “O Presidente Negro” nos Estados Unidos (que de tão racista não teve autorização de publicação nem nos próprios EUA). Certamente, pelo menos se você é um 90’s, a “obra” de Lobato foi apresentada para você na escola. Livros como “Sítio do Pica Pau Amarelo” foram adaptados para televisão na maior emissora do país. E não, não tem como achar que esses resquícios racistas não estariam presentes em todo trabalho do autor, é indissociável.
Basta uma leitura com os olhos de hoje que percebemos como há preconceito. Por isso, deve ser explicado e repassado com essa leitura crítica, apresentar esse conteúdo para crianças em idade de formação não agrega nada além de preconceitos. Como vemos ao redor do mundo, diversas estátuas de traficantes de escravos sendo derrubadas, podemos nós também derrubarmos nossos algozes culturais? Tais inserem a opressão no imaginário infantil de nossos pequenos. Cabe a nós também a cobrança por uma grade curricular mais atual e crítica nas escolas.
A segunda maneira de reforçar essa ideia é simplesmente sufocando o debate do racismo dentro das escolas, como verifica o professor Silvio de Almeida na brilhante palestra intitulada “História da Discriminação Racial na Educação Brasileira” (tem no YouTube, é de sumária importância assistir). O tema do racismo é pouquíssimo abordado em sala de aula, o tema do negro e a opressão sistemática que já é comprovada em dados é suprimida, simplesmente fala-se pouco ou quase nada sobre uma das maiores chagas do Brasil. Falamos sobre escravidão nas aulas de história, mas depois a repercussão dessa prática escravocrata e seus desdobramentos pós Lei Áurea não são analisados com a importância devida. Inclusive o próprio 13 de maio, como foi amplamente ensinado, dá uma importância desmedida à Princesa Isabel como a grande salvadora branca na “emancipação dos escravos”. Hoje entendemos que a história não é tão branca no preto, tem um texto sobre isso no meu perfil, é a publicação do dia 13 de maio #obrigadopornada
Somando essas situações percebemos que somos moldados para repetir o racismo. Estamos aos poucos desvendando tais entraves e tentando mostrar a relevância da luta antirracista. Precisamos agir ativamente para não reproduzirmos essa bagagem das nossas famílias e da nossa formação. Temos capacidade crítica e racional para isso, basta um esforço e uma vontade sincera de entender, de escutar mais do que falar.
Precisamos de mais pensadores pretos nas escolas conversando sobre esse tema. Precisamos de mais literatura de autores pretos mostrando também sua visão. De mais espaço e incentivo para a produção cultural preta.

Sabemos que o futuro que queremos contempla uma vida melhor, menos desigual e com oportunidades para todos. Se queremos uma sociedade mais justa no futuro não podemos deixar que esses valores atrasados passem para nossos filhos. Devemos suprimir o máximo possível as expressões que perpetuam esses preconceitos, não as repetir, corrigi-las à exaustão, para assim saírem de nossos vocabulários.
Os dados de trânsito mostram que mulheres, percentualmente, tem uma direção muito mais segura que homens. Então não, mulher ao volante não é perigo maior que qualquer outra pessoa ao volante. Simplesmente pare de reproduzir esses tipos de pensamentos sem sentido. Um grupo de amigos meus adotou a prática de corrigir sempre o uso da expressão “nego” quando relacionada a algo ruim. No Rio de Janeiro é corriqueiro falarmos “nego é foda”, “nego tá maluco”, “nego etc e tal…”, quase nunca associando a coisas boas. Sendo assim, decidimos usar a seguinte resposta à essas expressões: Nego não tem nada a ver com isso. Assim quem falava já era indagado a refletir. Colocar esses pequenos atos no nosso cotidiano, de repensar o uso, de questionar, aos poucos vão fazendo a diferença.
Não é um exercício fácil, exige sair do seu lugar e tentar se colocar no lugar do outro para assim passarmos para as próximas gerações uma visão mais plural, onde todos tenham seu espaço com menos julgamento e oportunidades mais igualitárias.
Obrigado por ler até aqui! Foi muita coisa, né? Eu sei. Tá com a cabeça fervilhando aí? Me manda uma DM, vamos trocar uma ideia sobre esse texto no sábado (dia 20/06, meio dia) ao vivo no meu perfil (@makanachannel). Vou selecionar as questões mais perguntadas e levar o debate nesse sentido, então ajude com a sua dúvida e vamos seguir juntos nessa luta.
Valeu!