Se existe algo que somos muito categóricas por aqui é que não recomendamos o uso de maconha na infância ou adolescência (ou até os 21 anos, no melhor dos casos). Isso porque diversas pesquisas já demonstraram o risco da cannabis para crianças e jovens, e a melhor opção para quem deseja experimentar os efeitos da planta é esperar. Mas, em casos acompanhados por médicos, as coisas podem mudar de figura.
A maconha terapêutica e/ou medicinal é um tópico quente na ciência. Cada vez mais estudos surgem, explorando o potencial dos canabinoides no tratamento dos mais inúmeros sintomas, doenças e síndromes. E, quando o assunto é cannabis para crianças, é importante entender que é fundamental pesar riscos e benefícios — com ainda mais profundidade do que para o uso adulto.
Por isso, hoje, viemos falar desse assunto tão importante. Vamos mergulhar no tópico com a gente e entender quando a cannabis para crianças passa a ser uma possibilidade, e até quando seu uso é seguro?
Vem com a gente!
Entendendo a cannabis medicinal para crianças
A maconha na pediatria surgiu como uma opção milagrosa para muitos pais de pacientes com síndromes raras. Esse é, inclusive, o caso da Margarete Brito, mãe e criadora da Associação de Apoio à Pesquisa e a Pacientes de Cannabis Medicinal (Apepi). Quando sua filha Sofia passou a ter convulsões com apenas 45 dias de idade, foi a cannabis que conseguiu aumentar sua qualidade de vida e melhorar seu desenvolvimento. Você pode ler sua história completa aqui.
O caso de Margarete e Sofia é apenas um, mas existem milhares de pacientes pediátricos espalhados pelo mundo. O aumento do interesse pelo uso da planta de maneira terapêutica causou um boom nas pesquisas, que ainda analisam a segurança da cannabis para crianças. Entretanto, existem alguns casos nos quais os benefícios parecem se sobrepor aos riscos. Alguns dos principais são a epilepsia, o autismo, o TDAH e sintomas relacionados ao câncer e a quimioterapia.
Vamos falar sobre eles?
Para quais problemas a cannabis pode ser indicada?

O maconha já é usada para várias condições na pediatria. No entanto, a única condição para a qual foi aprovado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) é a epilepsia refratária.
Epilepsia
Os endocanabinoides têm um papel na diminuição da liberação de neurotransmissores excitatórios, prevenindo as convulsões em pacientes com epilepsia ou outras síndromes que causam essas crises. Eles atuam nos receptores CB1 e CB2. A perda de ambos os tipos de receptores resulta em uma forma espontânea e mais grave de convulsões. Por isso, a cannabis pode ser uma grande chave nesse tratamento.
Vários estudos suportam essas evidências. Nessa pesquisa, foi feita uma revisão de literatura sobre o assunto, que levanta várias descobertas sobre a ação dos canabinoides na prevenção de convulsões.
Um dos primeiros foi feito em 1978 por Mechoulam e Carlini – brasileiro e pioneiro nos estudos sobre a cannabis terapêutica. Nele, quatro pessoas receberam uma dose de 200mg de CBD diariamente por três meses. Dois dos indivíduos tiveram uma melhora de 100% no caso, enquanto um teve melhora parcial e o quarto não apresentou reação significativa.
Em contraste, estudos mais recentes que incluíram mais de 100 participantes mostraram que o uso de CBD resultou em uma redução significativa na frequência das crises. Os efeitos adversos do CBD em geral parecem ser benignos, enquanto os efeitos adversos mais preocupantes (por exemplo, enzimas hepáticas elevadas) melhoram com o uso contínuo de CBD ou redução da dose.
Autismo
Estudos apontam que a cannabis e seus extratos podem ser usados para tratar problemas comportamentais e outras características relacionadas ao autismo. Isso porque o THC ativa os receptores CB1 e CB2, enquanto o CBD parece bloqueá-los.
Quando trata-se de um indivíduo autista, esse bloqueio pode aliviar convulsões e problemas de memória, sintomas relacionados ao autismo. Um ensaio clínico de 2018 de uma droga sintética de CBD pelo fabricante Zynerba mostrou melhorias significativas na ansiedade e outros traços comportamentais em pessoas com X frágil.
A pesquisa também demonstrou que o CBD alivia as convulsões em crianças com transtorno de deficiência de CDKL5. Essa é uma condição ligada ao autismo que é caracterizada por convulsões e atraso no desenvolvimento.
Mas o CBD sozinho pode não ser suficiente para os efeitos terapêuticos da cannabis. Uma proporção de 20 para 1 de CBD para THC alivia explosões agressivas em crianças autistas, como sugere um estudo de 2018. Essa mesma proporção de compostos melhorou significativamente a qualidade de vida de algumas crianças e adolescentes com autismo em um estudo de 2019.
Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH)
Há poucas pesquisas sobre os benefícios ou riscos do óleo de CBD para crianças com TDAH. Anedoticamente, alguns pais relatam uma redução nos sintomas de seus filhos após o uso do óleo de CBD. Mas, atualmente, não há evidências suficientes para confirmar se a maconha é um tratamento eficaz para o TDAH.
Entretanto, um pequeno estudo de 2020, contou com 112 pacientes adultos com TDAH que usavam cannabis medicinal. A descoberta foi que aqueles que tomaram uma dose mais alta de CBD usaram menos outros medicamentos para TDAH. Já um estudo mais recente de 2021 ouviu 1.700 estudantes. Foi descoberto que aqueles com TDAH relataram que o uso de cannabis melhorou seus sintomas. Ele também diminuiu os efeitos colaterais de seus medicamentos para tratar a condição.
Sintomas relacionados ao câncer e quimioterapia
De acordo com um estudo publicado na revista Pediatrics, a maconha medicinal é eficaz no tratamento de convulsões e náuseas induzidas pela quimioterapia em pacientes jovens. Os pesquisadores realizaram uma meta-análise. Ela examinou 22 estudos relevantes sobre o uso de cannabis medicinal em crianças e adolescentes para chegar a essa conclusão.
Entre os muitos componentes químicos encontrados na maconha, os pesquisadores determinaram que o THC melhorou náuseas e vômitos em jovens pacientes submetidos à quimioterapia. Já o CBD foi determinado como tendo efeito anticonvulsivante.
Outros estudos, mais voltados a pacientes adultos, também evidenciam o poder da cannabis de combater a dor e inflamações — o que pode ser especialmente bom para pessoas que lutam contra diferentes tipos de câncer.
Formas de uso da cannabis para crianças

Não: quando falamos de cannabis para crianças, ninguém está pensando em baseados ou dabs — destinados especialmente para o uso adulto. Na pediatria, a maioria das pesquisas e dos prescritores focam no óleo da planta. Ele pode ser full-spectrum, CBD isolado ou mesmo THC isolado, em alguns casos. Tudo vai depender do problema a ser tratado e das necessidades especiais de cada um.
Ou seja, faça sua própria pesquisa sempre, mas não tome decisões sem conversar com um (ou vários) médicos.
Mas bora entender um pouquinho esses diferentes produtos?
- Óleo ou tintura de cannabis: o óleo ou tintura pode ter várias potências e diferentes ingredientes ativos, com indicações específicas. Geralmente, é administrado sob a língua e também pode ser adquirido em forma de cápsula. Como ele tem um sabor meio esquisito, também existem opções com gostinho de frutas.
- Gomas de cannabis ou comestíveis: gomas ou outros comestíveis com infusão de maconha podem ser boas opções, tanto pelos efeitos prolongados quanto pela facilidade de administração. Como elas têm gosto de doces, certifique-se de guardá-las em um local onde suas crianças não possam encontrá-las.
- Adesivos transdérmicos: os adesivos permitem que os canabinoides penetrem na pele e entrem na corrente sanguínea. Eles podem proporcionar um nível consistente de canabinoides ao longo do tempo.
Quais os riscos de prescrever cannabis para crianças?
De acordo com diversos pesquisadores, o uso da maconha na infância e adolescência pode levar a problemas de aprendizado, dificuldades no desempenho escolar, falta de motivação, e até problemas relacionados a depressão e ansiedade.
A explicação está na vulnerabilidade do tecido cerebral na infância e adolescência. Nessa fase, o córtex pré-frontal, responsável por funções como tomada de decisões e controle da impulsividade, não está totalmente formado. Ele só completa o amadurecimento ao redor dos 25 anos de idade. Isso é muito mais tarde do que as áreas encarregadas do processamento das emoções.
Por isso, médicos como o pediatra Dr. Rod Rassekh afirmam que é imprescindível contar com um médico no acompanhamento de crianças e adolescentes que fazem o uso de cannabis medicinal. Apenas com a dosagem correta — e a medicação correta — esses riscos podem ser mitigados. Segundo ele, nenhum óleo é igual, o que faz com que a orientação adequada seja de extrema importância.
FAQ
A maconha medicinal pode ser usada na pediatria?
Sim. A maconha pode ser usada, sob prescrição médica, para pacientes pediátricos que necessitem de um tratamento adequado com a planta.
Em quais casos a cannabis medicinal para crianças pode ajudar?
O único uso de cannabis para crianças aprovado no Brasil é para epilepsia. Entretanto, existem pesquisas indicando a planta para sintomas do autismo, TDAH e diferentes tipos de câncer.
Quais as formas de tratamento com cannabis para crianças?
Normalmente, são usados óleos e tinturas. Mas outras opções, como comestíveis e adesivos transdermais, também podem ser prescritas.
Quais os riscos da cannabis para crianças?
Sem o acompanhamento adequado, a maconha pode causar problemas no desenvolvimento cerebral relacionados a dificuldades no aprendizado, falta de motivação, e até depressão e ansiedade.