A agroecologia é o futuro – não apenas da nossa alimentação, mas de tudo o que conhecemos. Aqui, vamos explicar melhor esse conceito e falar sobre o papel chave da maconha e do cânhamo dentro dele!
Nos últimos anos, não é apenas a pandemia que tem afetado nossas vidas. As mudanças climáticas estão se acentuando, o que torna os desastres naturais muito mais violentos e as colheitas cada vez mais escassas. E, como se isso não fosse preocupante por si só, as medidas tomadas pela agricultura convencional para reverter suas perdas aprofundam ainda mais esse buraco – com um uso cada vez maior de químicos pesados, como herbicidas, pesticidas e todo o tipo de agrotóxico possível e imaginável.
Por conta disso, não são poucos os especialistas que apontam a agroecologia como única solução possível para esses problemas que estamos enfrentando. Ela também é a grande aposta da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) para criação de novas maneiras de produzir alimentos de forma sustentável.
Como possibilidade em sistemas agrícolas, é claro que a agroecologia também pode ser uma saída ecológica para o plantio da nossa amada cannabis e do cânhamo – um material tão versátil que pode originar plástico, materiais de construção, roupas e até produtos alimentícios ricos em nutrientes.
Aqui no blog, sempre falamos muito sobre as práticas agrícolas sustentáveis, como a agricultura regenerativa e a agricultura biodinâmica, que são braços da agroecologia. Hoje, vamos contar para vocês um pouco mais sobre esse conceito que abraça muitas outras vertentes sustentáveis da agricultura e que podem fazer toda a diferença para o futuro do planeta, da humanidade e da nossa plantinha favorita.
Bora lá?
O que é agroecologia?
Segundo a FAO, a agroecologia é uma abordagem integrada que aplica simultaneamente a ecologia e conceitos e princípios sociais para a concepção e gestão de alimentos e sistemas agrícolas. Ela busca otimizar as interações entre as plantas, animais, humanos e o meio ambiente, levando em consideração o aspecto social e outras questões que precisam ser tratadas para um sistema alimentar sustentável e justo. Ou seja: seu conceito é muito mais extenso do que as práticas agrícolas em si, e se estendem para dar conta de tratar todos os elementos que se encontram nessa roda.
“A agroecologia não é apenas uma ciência e uma prática, mas um movimento para a mudança social” (S. Gliessman).
A agroecologia não é uma invenção nova. Ela pode ser identificada na literatura científica desde a década de 1920, e encontrou expressão nas práticas dos agricultores familiares, em movimentos sociais de base pela sustentabilidade e as políticas públicas de diversos países ao redor do mundo. Mais recentemente, a agroecologia entrou no discurso de instituições internacionais e da ONU – e está sendo profundamente estudada como uma maneira de acabar com a fome no mundo. Incrível, né?
“A agroecologia fornece os princípios ecológicos básicos para o projeto e gestão de agroecossistemas que são produtivos e conservam os recursos naturais… e que também são culturalmente sensíveis, socialmente justos e economicamente viáveis” (Altieri, 1995).
As principais distinções da agroecologia
A agroecologia é fundamentalmente diferente de outras abordagens de desenvolvimento sustentável. Isso porque ela se baseia em processos ascendentes e territoriais, ajudando a entregar soluções contextualizadas para problemas locais. As inovações agroecológicas são baseadas na cocriação do conhecimento, combinando a ciência com o tradicional, o prático e o conhecimento local dos produtores.
Ao aumentar sua autonomia e capacidade adaptativa, a agroecologia empodera produtores e comunidades como principais agentes de mudança.
Em vez de ajustar as práticas de sistemas agrícolas insustentáveis, a agroecologia busca transformar os sistemas alimentares e agrícolas, abordando as causas-raiz dos problemas de uma forma integrada e fornecendo soluções holísticas e de longo prazo. Isso inclui um foco explícito nas dimensões sociais e econômicas de sistemas alimentares.
A agroecologia coloca um forte foco nos direitos das mulheres, jovens e pessoas indígenas.
Os dez elementos da agroecologia
Ao orientar os países para transformar seus sistemas agrícolas e alimentares, para integrar agricultura sustentável em grande escala, e para alcançar o Fome Zero e diversos outros objetivos de desenvolvimento sustentável, os seguintes 10 Elementos vieram dos seminários regionais da FAO na agroecologia:
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Diversidade; sinergias; eficiência; resiliência; reciclagem; co-criação e compartilhamento de conhecimento (descrevendo características comuns de sistemas agroecológicos, práticas fundamentais e abordagens de inovação)
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Valores humanos e sociais; cultura e tradições alimentares (recursos de contexto)
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Governança responsável; economia circular e solidária (ambiente propício)
Os 10 Elementos da Agroecologia estão interligados e são interdependentes.
Agroecologia é o mesmo que agricultura orgânica?
Sim e não!
A definição de agroecologia é muito ampla e permite diferentes interpretações e compreensões de acordo com a visão dos diferentes atores da cadeia agroalimentar. Assim, um desafio é estabelecer um entendimento comum sobre o conceito de agroecologia e as diferenças, por exemplo, em relação a agricultura orgânica (um método de produção institucionalizado e normatizado que pode ou não utilizar princípios agroecológicos).
De forma resumida, podemos dizer que a agroecologia é a base na qual foram construídas as diferentes vertentes ou “correntes” de uma agricultura sustentável, como:
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Agricultura Orgânica ou Biológica;
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Agricultura Natural;
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Sistemas Agroflorestais (SAF);
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Permacultura.
Entretanto, elas só estarão alinhadas à agroecologia no momento em que englobam também os seus aspectos sociais!
As semelhanças entre cannabis e agrocologia
A professora, co-criadora do projeto Aroeira e mulher cannábica incrível Ana Cavalcanti trouxe para nós uma visão muito única sobre como a cannabis e a agroecologia se relacionam entre si. Para ela, essa semelhança entre os conceitos começa justamente na produção de conhecimento. Para ela, a agroecologia é bem mais do que ferramentas e técnicas – mas uma epistemologia, uma forma de conhecer que se pauta pela reunião dos saberes. E a cannabis exemplifica muito bem isso: reunimos saberes milenares com conhecimentos empíricos, clínicos, com descobertas científicas para conseguir captar a complexidade de todas as coisas.
Além disso, segundo Ana, a diversidade é uma característica fundamental tanto para a agroecologia quanto para a cannabis. Começa na diversidade de plantas, pensando em consórcios, em cepas, em strains, e mesmo no nível micro nos compostos. “Da mesma forma que o CBD, o THC e os terpenos funcionam melhor em conjunto, que a gente tem o efeito entourage, as plantas em conjunto também tem esse efeito sinérgico potencializado”.
Por último, mas não menos importante, é a representação de uma capacidade de cuidado amplo e integral – que vem tanto da agroecologia quanto da cannabis. E é um cuidado muito abrangente, que vai além do olhar da medicina clínica e hospitalar. Ele vem de dentro para fora e de fora para dentro, formando cadeias e redes que nos fazem perceber as cadeias naturais que englobam os dois elementos.
As chaves disso são, de acordo com ela, a diversidade e a integração entre esses universos diferentes e recheados de saberes. A agroecologia para a produção de cannabis traz a saúde em muitos níveis (não apenas biológico, mas mental, emocional, espiritual e social) e valoriza o saber de pessoas que geralmente ficam à margem da sociedade.
Como a cannabis pode ser aliada da agroecologia
A cannabis e o cânhamo (espécie da planta com menos de 0.3% de THC) se encaixam perfeitamente nos sistemas agrícolas mais sustentáveis, e podem dar conta de reverter uma grande quantidade de questões sociais adjacentes – principalmente quando pensamos em sua legalização e regulamentação ao redor do mundo.
Enquanto a China segue sendo a maior produtora de cânhamo no mundo, os Estados Unidos estão dando seus primeiros passos – agora, o cultivo de cânhamo agora é legal em 33 estados. Em 2016, 9,650 acres de cânhamo foram cultivados em 15 desses estados sob cerca de 800 licenças. Essas licenças foram emitidas principalmente por agências estaduais de agricultura, relata Eric Steenstra, da Vote Hemp, um grupo de defesa sem fins lucrativos que trabalha para mudar as leis relacionadas ao cultivo de cânhamo nos Estados Unidos.
Além disso, 30 universidades estão conduzindo pesquisas sobre o cânhamo. A oportunidade econômica é significativa e a safra não precisa de tantos insumos. Ela dá origem à fibras e sementes que podem ser usadas em:
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Roupas
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Produtos de saúde e beleza
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Papel
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Alimentos
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Ração animal
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Biocombustíveis
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Plástico
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Materiais de manufatura e construção.
Do ponto de vista da saúde, a semente de cânhamo foi rotulada como “super alimento” porque é rica em ácidos graxos ômega-3 e ômega-6 – podendo se tornar uma fonte de nutrição e ajudar mesmo comunidades mais empobrecidas. De interesse adicional para muitos é o canabidiol, conhecido como CBD – que possui inúmeros benefícios medicinais e terapêuticos.
Além de seu imenso potencial como insumo ecológico para a produção de materiais essenciais para o nosso desenvolvimento e bem-estar, outras razões bem especiais estão levando os agricultores a cultivar essa cultura sustentável e regenerativa, que prospera em uma ampla gama de climas e requer poucos insumos.
“O cânhamo se encaixa muito bem em um sistema orgânico,” diz Ross Duffield, gerente da fazenda em Rodale Institute em Kutztown, Pensilvânia, que tem uma das 16 licenças de pesquisa concedidas pelo Departamento de Agricultura da Pensilvânia. “Isso dá aos agricultores uma nova safra que melhora a saúde do solo, mitiga o escoamento e a erosão, e cresce tão vigorosamente e alto que elimina ervas daninhas como rabo de raposa, pigweed e amaranto. Podemos aproveitá-lo para uso como uma cultura de cobertura e uma cultura de rendimento ”.
A cannabis nas agroflorestas
Para começar, vamos ao conceito: os SAFs ou agroflorestas são sistemas produtivos que combinam culturas agrícolas com árvores florestais e frutíferas na mesma área, buscando uma utilização mais eficiente dos recursos naturais como solo, água e energia. Eles podem ser desenhados em diferentes arranjos de espécies, espaçamento e dinâmica de manejo, conforme o interesse do agricultor, as condições locais de solo e clima, e disponibilidade de equipamentos e mão de obra.
Dentro dessa diversidade de opções, devem ser seguidos alguns princípios básicos comuns, como:
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a proteção e cobertura do solo;
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o não uso de agrotóxicos;
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a ciclagem de nutrientes e a produção de matéria orgânica no sistema para melhoria da saúde do solo e nutrição das espécies;
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a sucessão ecológica ao longo do tempo;
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o manejo da estratificação imitando a dinâmica de uma floresta natural;
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a realização periódica de podas;
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a exploração de espécies econômicas de curto, médio e longo prazo.
Esse modelo de agroflorestas já é explorado no Brasil por organizações como o Coletivo Aroeira, que, para nós, é um exemplo de trabalho incrível em diferentes frentes integradas. O projeto, que começou em 2018 com a criação de um jardim ecológico mantido em parceria com transeuntes e pessoas em situação de rua, hoje conta com uma agrofloresta própria, onde pessoas que tiveram suas vidas atravessadas pelo proibicionismo podem vivenciar os ciclos da natureza, o cuidado e a autonomia enquanto são capacitadas em agroecologia.
Pimentas, quiabos, babosas, batatas, açafrões, bananas e cannabis fazem parte das culturas desenvolvidas pelas criadoras do projeto, sempre em parceria com a população apoiada!
Lorraina, mina foda do Girls in Green e participante do projeto, contou pra gente que percebeu ao longo do cultivo o quanto as plantas cooperam entre si, e tornam o cultivo canábico muito mais simples. Para ela, quando colocamos a cannabis em um vaso, perdemos todas essas possibilidades incríveis criadas pela sinergia entre as culturas.
“Quando plantamos as sementes com tomate, mamona, milho, ela [cannabis] espichou muito! Nós irrigamos normalmente, não precisamos checar por pragas, e percebemos como isso estava mais harmônico e como era possível trazer a ganja pra essa ideia da cooperação.”
Ana ainda frisa o quanto essa união entre o cuidado, a agroecologia e a cannabis fazem sentido para as pessoas envolvidas. Segundo ela, poder trabalhar com populações que sofrem com um uso problemático de substâncias é usar essa roda para incentivar as trocas justas e o cuidado de uma maneira mais profunda. Quando todos desfrutam do saber, do trabalho bem remunerado e de seus frutos, é gerada uma nova forma integrativa de atenção psicossocial.
Esse é apenas um exemplo prático de como a cannabis pode ser uma grande aliada não apenas dos cultivos fora da monocultura, mas também na reparação de danos relacionados ao proibicionismo através de uma ótica agroecológica.
Os desafios da união entre agroecologia e cannabis
Enquanto no Brasil seu cultivo é proibido (menos para quem tem uma permissão especial), nos Estados Unidos, mesmo com a regulamentação, existem alguns obstáculos com os aspectos legais, de processamento e de vendas da agricultura de cânhamo.
Isso porque, na teoria, existe um mercado para todas as partes das plantas, mas a infraestrutura para processar e distribuir os produtos é quase inexistente.
E, embora a infraestrutura necessária para encorajar o cultivo do cânhamo possa ser reconstruída, uma perda infeliz e permanente é a das variedades históricas de cânhamo americanas. Por exemplo, uma cepa de Kentucky da década de 1850 era conhecida por sua altura, robustez, rendimento de fibra e velocidade de maturação. Infelizmente, ela agora é considerada extinta depois que o estoque de sementes do Laboratório Nacional de Armazenamento de Sementes do USDA foi descartado na década de 1950.
Nós acreditamos que, com o passar dos anos, as amarras legais serão afrouxadas e, dessa forma, poderemos explorar essas possibilidades de maneira mais livre. Afinal, estamos perdendo uma aliada valiosa na preservação do meio ambiente – que está sendo utilizada como arma de segregação e apagamento de comunidades ao redor do mundo. Para quem ainda serve o proibicionismo?
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Até a próxima!