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O autismo, em seus mais diversos graus, é um transtorno que afeta uma em cada 54 crianças. Mas o que ele causa e como a cannabis pode ter um papel importante nesse processo? A gente conta aqui!

Nas últimas décadas, vemos um aumento expressivo nas pesquisas sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA), ou apenas autismo. Até hoje, não se sabe ao certo todas as causas que levam um paciente a apresentar esse distúrbio – que pode ser diagnosticado, em maior ou menor grau, em indivíduos a partir dos 18 meses. Mas já sabemos mais sobre o que a condição pode implicar no desenvolvimento de uma pessoa e que, com acompanhamento e tratamentos adequados, é possível melhorar a qualidade de vida de quem convive com as facetas do espectro.

Uma das maiores descobertas dos últimos tempos foi que a cannabis medicinal pode ajudar quem apresenta sintomas do TEA. Ela pode ser usada para tratar os mais diversos aspectos da condição, desde a ansiedade e os transtornos de humor até as convulsões, comuns em certos graus mais agressivos do transtorno.

A verdade é que existe muito a ser discutido e aprendido sobre esse assunto, e estamos aqui para apresentar um pouco dos conceitos relacionados ao autismo e os resultados das últimas pesquisas envolvendo a sua relação com a cannabis. E sabemos que isso é ainda mais difícil quando vivemos no proibicionismo, convivendo com desinformação e dificuldade no acesso de medicações.

Vamos entender tudo isso? Vem com a gente, no nosso segundo texto da série sobre Cannabis Medicinal e Terapêutica!

Aviso importante: toda possibilidade de uso da cannabis como medicamento deve ser analisada por um especialista que acompanha o histórico de cada paciente. Esse post não é uma recomendação para a automedicação com a cannabis de qualquer forma. Caso acredite que ela pode beneficiar seu quadro, converse com seu médico.

Bud de maconha .jpg
Bud de maconha

O que é autismo?

O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais DSM-5 explica que pessoas dentro do espectro podem apresentar déficit na comunicação social ou interação social e padrões restritos e repetitivos de comportamento, como movimentos contínuos, interesses fixos e hipo ou hipersensibilidade a estímulos sensoriais. Todos os pacientes com autismo partilham estas dificuldades, mas cada um deles será afetado em intensidades diferentes, resultando em situações bem particulares. Apesar de ainda ser chamado de autismo infantil, pelo diagnóstico ser mais comum durante a primeira infância, os transtornos são condições permanentes que acompanham a pessoa por todas as etapas da vida.

De acordo com a organização Autismo e Realidade, o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) reúne várias desordens do desenvolvimento neurológico presentes desde o nascimento ou começo da infância. São elas:

  • Autismo Infantil Precoce;

  • Autismo Infantil;

  • Autismo de Kanner;

  • Autismo de Alto Funcionamento;

  • Autismo Atípico;

  • Transtorno Global do Desenvolvimento sem outra especificação;

  • Transtorno Desintegrativo da Infância;

  • Síndrome de Asperger.

Quanto aos sintomas mais comuns referentes ao comportamento, um indivíduo no espectro pode apresentar agressividade, chorar, aumentar o tom de voz e apresentar hiperatividade, irritabilidade, impulsividade e interação social inadequada. Pode também imitar involuntariamente os movimentos de alguém. Ainda são corriqueiros vários tipos de repetição descoordenada, tanto de palavras como de movimentos. É comum terem também dificuldade de manter contato visual.

No aspecto do desenvolvimento, há dificuldade geral no aprendizado, e um dos sinais iniciais é o atraso na fala nos primeiro anos de vida. Em sua dimensão cognitiva, o autista enfrenta dificuldade para manter o foco, além de ter interesse em um número reduzido de temas. Psicologicamente, pode não reconhecer emoções alheias e sofrer de depressão e ansiedade.

Em seus graus mais leves, o autismo pode até mesmo passar despercebido por pais e tutores. É importante ressaltar que o transtorno se apresenta de diferentes maneiras, não existindo um padrão exato. A intensidade, quantidade e combinação de sintomas vai depender inteiramente de cada indivíduo. Por isso é tão comum ouvirmos histórias de pessoas no espectro que são geniais em um assunto ou habilidade, e outras que contam com grandes atrasos no desenvolvimento psicossocial e motor.

Mas onde a cannabis pode se encaixar na vida de um autista?

A cannabis terapêutica como tratamento

Alguns estudos sobre canabinoides mostraram resultados promissores em modelos animais e em testes clínicos em estágio inicial. Segundo eles, a cannabis e seus extratos podem ser usados para tratar convulsões, problemas comportamentais e outras características relacionadas ao autismo. Tudo isso devido ao nosso maravilhoso sistema endocanabinoide e aos receptores CB1 e CB2.

De acordo com os estudos, o THC ativa os receptores CB1 e CB2, enquanto o CBD parece bloqueá-los. Ambos os receptores canabinoides estão localizados no tecido cerebral (nos neurônios) cérebro e por todo o corpo. O cérebro contém mais receptores CB1 do que CB2, e a ativação de cada tipo de receptor afeta uma gama de canais iônicos e proteínas envolvidas na sinalização celular. Os efeitos finais da ativação do receptor canabinoide dependem do sistema do corpo a que pertencem. Por exemplo, a ativação de receptores CB1 no cérebro pode aumentar ou diminuir a excitabilidade do neurônio, dependendo de qual tipo de neurônio um canabinoide se liga; já a ativação de receptores CB2 no sistema digestivo pode diminuir a inflamação.

Quando trata-se de um indivíduo autista, o bloqueio do receptor CB1 pode aliviar convulsões e problemas de memória, uma condição relacionada ao autismo, de acordo com um estudo de 2013 na Nature Medicine. Um ensaio clínico de 2018 de uma droga sintética de CBD pelo fabricante Zynerba mostrou melhorias significativas na ansiedade e outros traços comportamentais em pessoas com X frágil.

A pesquisa também demonstrou que o CBD alivia as convulsões em crianças com transtorno de deficiência de CDKL5, uma condição ligada ao autismo que é caracterizada por convulsões e atraso no desenvolvimento. O CBD também diminui as convulsões e melhora o aprendizado e a sociabilidade em um modelo de camundongo com transtorno de deficiência de CDKL5.

Mas o CBD sozinho pode não ser suficiente para os efeitos terapêuticos da cannabis. Uma proporção de 20 para 1 de CBD para THC alivia explosões agressivas em crianças autistas, sugere um estudo de 2018. Essa mesma proporção de
compostos melhorou significativamente a qualidade de vida de algumas crianças e adolescentes com autismo em um estudo de 2019. Especificamente, os pesquisadores observaram um número significativamente menor de:

  • Convulsões;

  • Tiques;

  • Depressão;

  • Ansiedade e inquietação;

  • Explosões.

Bud de maconha cheio de tricomas
Bud de maconha cheio de tricomas

Como a cannabis pode ajudar as famílias

Em alguns graus mais elevados, o autismo pode ser uma condição extremamente desafiadora, fazendo com que os pacientes precisem de cuidado e atenção da família ao longo da vida. Nesses casos, o núcleo familiar mais próximo – geralmente as mães – podem sofrer com a sobrecarga não apenas física, mas também emocional. Nem sempre é fácil lidar com um indivíduo que sofre de TEA, e também é preciso falar sobre isso.

Nesses casos, a cannabis pode ajudar não apenas o indivíduo com autismo, mas também seus tutores, a lidarem com as consequências do distúrbio. Afinal, ela também pode ser indicada para aliviar sintomas da ansiedade e da depressão.

Se essa é a sua situação, converse com um médico e veja se o uso pode ser pertinente no seu caso!

Mas como conseguir a medicação no Brasil?

Seja qual for o transtorno ou distúrbio: quando há desejo de fazer um tratamento com derivados da cannabis de maneira 100% legal, é necessário entrar com um pedido de autorização. Desde 2015, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) permite a importação de medicamentos contendo canabinoides, e você pode revisar o processo aqui nesse post.

Quem desejar, ainda pode entender se o autocultivo é uma opção válida para sua realidade. Aqui no blog, nós já falamos muito sobre razões para adotar o autocultivo, e até tiramos as dúvidas sobre o tema com as advogadas da Rede Reforma. Se, para você, essa alternativa soar melhor, você pode entrar em contato com um advogado de confiança e entrar com pedido de Habeas Corpus individual para se proteger perante à lei.

Riscos da cannabis em relação ao autismo

Há pouco tempo, tivemos uma notícia que gerou um certo buzz na comunidade canábica mundial: segundo um estudo da Nature Medicine, o uso de cannabis durante a gravidez poderia causar o autismo no bebê.

Os pesquisadores acompanharam diagnósticos de condições de neurodesenvolvimento, incluindo autismo, em mais de 500.000 crianças nascidas entre 2007 e 2012 em Ontário, no Canadá. Eles usaram um registro de nascimento para identificar as mães que usaram cannabis durante a gravidez. No check-in do primeiro trimestre, 0,6 por cento das mães no registro relataram que sim. Do meio milhão de crianças registradas, 7.125 foram diagnosticadas com autismo, e sua prevalência foi maior entre crianças nascidas de mulheres que usaram cannabis durante a gravidez (2,22%, em comparação com 1,41% entre as mulheres que não fizeram o uso).

  • É importante lembrar que, até hoje, as causas do TEA não são totalmente conhecidas, e a pesquisa científica sempre concentrou esforços no estudo da predisposição genética, analisando mutações espontâneas que podem ocorrer no desenvolvimento do feto e a herança genética passada de pais para filhos. No entanto, já há evidências de que as causas hereditárias explicariam apenas metade do risco de desenvolver TEA. Fatores ambientais que impactam o feto, como estresse, infecções, exposição a substâncias tóxicas, complicações durante a gravidez e desequilíbrios metabólicos teriam o mesmo peso na possibilidade de aparecimento do distúrbio.

Os autores do estudo estão pedindo uma interpretação cautelosa dos resultados – em parte porque a associação surgiu por meio de uma análise de registros de nascimento, não de um estudo controlado. De acordo com eles, a pesquisa não tem todos os dados necessários para fazer qualquer tipo de comprovação. Entretanto, é interessante ter cautela. Como já falamos aqui no blog, sempre iremos advogar pela a autonomia de cada mãe decidir o que é melhor para si e para seu filho, embora acreditemos que o uso da cannabis na gravidez seja desaconselhado.

Ainda há muito a ser descoberto sobre o TEA, e esperamos que, cada vez mais, o nosso contexto vire à favor dos pacientes e das pesquisas, e não mais de uma Guerra às Drogas fracassada. Afinal, todo e qualquer avanço que venha a melhorar a qualidade de vida dos pacientes – seja do autismo ou de qualquer outro transtorno – deve ser bem vindo.

Aos poucos, vamos trabalhando para, com muita informação, quebrar os tabus em torno da cannabis, uma substância tão prejudicada pelas campanhas proibicionistas. E aí, vamos com a gente?

Esperamos você na próxima semana, com mais um post sobre a cannabis terapêutica e suas propriedades!

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