Desde as falhas na regulamentação da cannabis até as mudanças climáticas que prejudicam a Meca da Maconha estadunidense: entenda o que acontece na Califórnia, considerada o maior mercado da planta no mundo.
Procurar viver o sonho da vida canábica fora do Brasil parece a ideia perfeita para quem tem condições suficientes de fazer as malas e pegar um avião. A Califórnia tem sido o destino número um de estrangeiros que procuram se aventurar no mercado da cannabis – desde que se tornou a mais nova Meca da planta no mundo. Mas o que parece facilitado por conta da regulamentação vêm com consequências que poucos falam sobre.
Não, você não vai ser recebido com um beck do tamanho da sua mão no aeroporto.
Não, talvez você não encontre trabalho de forma legal.
Talvez você nem consiga consumir produtos do mercado legal.
E, talvez, seu lugar dos sonhos seja devastado por desastres naturais.
A romantização midiática da Califórnia, através do mundo da música e do cinema hollywoodiano, também atinge os canabistas aficionados que acreditam que não existem problemas por aqui. E a verdade é que sim, existem muitos!
Para contar mais sobre isso para vocês e equilibrar a visão romantizada da regulamentação americana, trouxemos neste post um apanhado geral de informações que podem atualizar a sua visão deste lugar que, sim, é lindo – mas está longe de ser perfeito.
Vamos lá?

Por onde começar?
Um ponto importantíssimo para entendermos melhor o que se passa nesse estado é o fato de que, ao mesmo tempo em que ele tem o maior número de milionários em todo o país, ele também carrega a maior taxa de pobreza dos Estados Unidos. Esse abismo – que nós, brasileiros, estamos muito acostumados – traz todas as consequências negativas de estar em um local onde a desigualdade social impera.
A distância social entre ricos e pobres impacta os custos de moradia, o custo de vida, a crise dos sem-teto e faz com que muitos se perguntem se terão um futuro no lugar. Mais de um em cada seis californianos é pobre, de acordo com um relatório de março deste ano encomendado pelo governador Newsom a um comitê formado por diferentes organizações e entidades governamentais. Por outro lado, mais bilionários residiam na Califórnia em 2019 do que em qualquer outro lugar do país, segundo a Forbes.
Cerca de um terço dos trabalhadores ganha menos de US $15 por hora, um salário que não compensa os altos custos de moradia. Em uma cidade como San Francisco, o aluguel médio mensal de um apartamento é de quase US $3 mil.
E como isso impacta o mercado da cannabis?
A Califórnia foi o sexto estado a introduzir a venda de maconha para uso adulto, e não apenas terapêutico ou medicinal, após Alasca, Colorado, Nevada, Oregon e Washington, e o tamanho do mercado gerou previsões de grandes vendas legais. Em vez disso, as vendas caíram. Cerca de US $2,5 bilhões foram vendidos na Califórnia em 2018, US $500 milhões a menos que em 2017, quando apenas a maconha medicinal era legalizada, de acordo com a GreenEdge, empresa de verificação de vendas.
Isso não significa que as pessoas passaram a consumir menos maconha: apenas que o mercado ilegal continua mais fortalecido que o legal, mesmo três anos depois da regulamentação. Os fazendeiros já tiveram tempo de sobra para se adaptar às normas do mercado – mas e quem disse que todos têm dinheiro para arcar com as burocracias da legalização do negócio?
A imagem popular dos produtores de maconha da Califórnia pode ainda ser a dos hippies nas florestas do Condado de Humboldt, mas cada vez mais a realidade é a das operações da NorCal Cannabis Co., em Santa Rosa, ao norte de San Francisco.
A companhia converteu o que era uma fábrica de semicondutores em um local de produção de cannabis, onde os empregados que andam pelos corredores antissépticos usam luvas de látex e supervisionam um sistema de irrigação ao estilo israelense e um sistema de filtros de ar de US$ 1 milhão. Ao lado, há uma companhia que faz revestimentos para cabines de piloto de aviões.
Mas, para centenas de outros produtores menores, só a papelada já foi suficiente para tirá-los do negócio. Para fazer parte do mercado legal, um produtor de cannabis deve se inscrever em até cinco agências estatais, e é necessário até obter um certificado para garantir que sabe usar uma balança.
Além de tudo isso, as taxas para venda de produtos legais em dispensários é de 25% – o que encarece o produto final e o torna de difícil acesso às pessoas que já estavam acostumadas a obter cannabis de boa qualidade diretamente de produtores, com menos intermediários.
Cenário ambiental também dificulta as coisas
Se a regulamentação já é complicada para os produtores, trabalhadores e consumidores do mercado da cannabis, os desastres ambientais fazem a situação ficar ainda mais bizarra. Nas últimas semanas, alguns dos maiores incêndios florestais da história têm atingido o estado da Califórnia, afetando pequenos e médios produtores que dependem dos diversos microclimas da região para o sucesso de seus cultivos.
Muitos dos maiores incêndios em torno da Califórnia ainda estavam muito menos de 50% contidos na manhã desta sexta-feira (20/08). Esperava-se que a qualidade do ar ao redor de Sacramento e San Francisco, região atingida pela fumaça do incêndio florestal, permanecesse ruim. E as autoridades alertaram que pode levar dias ou semanas antes que as pessoas evacuadas do incêndio em Caldor tenham permissão para voltar para suas casas.
Esse incêndio cresceu para mais de 68 mil acres desde que começou no fim de semana, de acordo com Cal Fire, a agência estadual de combate a incêndios. Ele permaneceu completamente incontido até quinta-feira, embora mais de 650 pessoas estivessem lutando contra ele. O incêndio destruiu mais de 100 estruturas e ainda ameaça cerca de sete mil outras.
Mais de 20 mil pessoas no condado de El Dorado foram instruídas a deixar suas casas ou se preparar para isso, de acordo com o gabinete do governador. Um oficial da Cal Fire, Dusty Martin, disse em uma reunião da comunidade na quinta-feira que esperava que as ordens de evacuação obrigatória para o incêndio da Caldor “durassem um pouco – pelo menos uma semana, talvez mais de duas semanas”.
Vimos de perto o terror que atinge os produtores locais de fazendas conhecidas, como a Booney Acres e a Emerald Queen Farms, que tiveram de se unir para afastar as chamas de seus cultivos outdoor. Ainda assim, suas propriedades foram afetadas, e o ritmo de trabalho deve ser reduzido para reverter as consequências desse desastre – que ronda os produtores há anos.

Tecnologia X tradição
Enquanto muitas das fazendas tradicionais tentam manter seus cultivos mais sustentáveis e benéficos para o meio ambiente à longo prazo, empresas maiores que surgiram com o mercado legal nem sempre têm a mesma visão. O site Politico pontuou, no início do mês, que os problemas causados pelo cultivo indoor no estado podem também agravar as mudanças climáticas.
Nacionalmente, 80% da cannabis é cultivada em ambientes fechados com iluminação sofisticada e controles ambientais projetados para maximizar o rendimento da planta. É uma configuração que pode consumir até 2.000 watts de eletricidade por metro quadrado, 40 vezes o que é necessário para verduras como a alface, quando cultivadas em ambientes fechados.
Apesar das tentativas graduais dos estados e de alguns produtores para reduzir o consumo de energia, pelo menos um especialista estima que a pegada da indústria já é responsável por mais de 1% do consumo de eletricidade dos EUA e continua a aumentar. Para complicar ainda mais as coisas, as leis federais também impedem o fluxo de maconha nas fronteiras estaduais. Isso exige que as empresas cultivem cannabis em cada estado onde desejam fazer negócios e as priva da escala que torna outras indústrias mais eficientes.
Os cultivos de cannabis indoor são grandes consumidores de eletricidade por causa de suas luzes sintéticas e sistemas de refrigeração de ar. A operação média de cultivo indoor consome mais energia do que 14 casas típicas, de acordo com um relatório publicado pelo Resource Innovation Institute, uma organização sem fins lucrativos focada na criação de padrões da indústria para o cultivo agrícola – especialmente em áreas internas. O cultivo outdoor é muito mais eficiente, usando 2,5% da eletricidade necessária para a operação indoor média. A cannabis cultivada em estufas está no meio, usando cerca de 45% da energia de uma instalação indoor média.
Depois, há o mercado ilegal ainda de vento em popa – onde não há regras de emissão de qualquer tipo – que consome combustíveis fósseis em uma taxa ainda mais elevada, muitas vezes usando geradores autônomos ou roubando energia de vizinhos para abastecer suas operações.

E o que podemos tirar de tudo isso?
Alguns dos nossos principais aprendizados ao observar a cultura canábica por aqui também são algumas das nossas preocupações com a regulamentação no Brasil:
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Como a falta de incentivos do governo aos pequenos agricultores transformou a regulamentação uma tarefa praticamente impossível para quem mais deseja de forma pura trabalhar com a planta;
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Como as taxas e impostos sobre os produtos transformaram o mercado legal em um nicho para pessoas ricas, mas que não tira populações vulneráveis do seio do tráfico;
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Como, inclusive, esse nicho perpetua a cultura da dominação por grandes empresas, que não levam o cultivo como uma ocupação holística, e sim de exploração, e como isso pode seguir prejudicando as políticas de proteção ao meio ambiente;
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Como existem poucas (ou zero) espécies de políticas reparatórias para quem sofreu com prisões, perseguições e represálias resultantes da Guerra às Drogas no país;
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Como as possíveis funções sociais da cannabis foram deixadas de lado para a criação de um mercado que, assim como o do álcool e do tabaco, é focado no desejo – e não na relação entre benefício e risco.
É interessante estudarmos o que acontece em outros espaços onde a regulamentação é uma novidade – assim, podemos aprender com esses erros e esperar por um modelo mais consciente, principalmente dos nossos próprios problemas internos. Mas ficamos supresas sobre o quanto a Califórnia lembrou tantas situações parecidas que passamos no Brasil – desde as desigualdades sociais até a falta de interesse do governo em pequenas empresas, familiares e limpas, que podem gerar um impacto muito mais positivo na economia local e no planeta como um todo.
Assim, esperamos que vocês tenham gostado de entender um pouco mais sobre os problemas, que ficam relegados aos bastidores desse mercado legal ainda tão imaturo. Com o passar do tempo, esperamos que as injustiças sejam corrigidas – não apenas em terras californianas como brasileiras – para caminharmos juntos em busca de uma política de drogas mais efetiva de forma global, baseada na comunicação aberta, na educação e no futuro da Terra e sua população.
Já estiveram por aqui?
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Até a próxima!
Muita gente tem saído da Califórnia. A qualidade de vida caiu consideravelmente, em especial nos governos Democratas.
Além das falhas de regulamentação, decidiram descriminalizar o roubo de até 900 dólares, o que gerou uma enxurrada de crimes, em especial nas “cracolândias” da vida que têm nas cidades maiores.
Os cidadãos comuns por vezes preferem deixar seus carros destrancados para mostrar aos meliantes que não possuem nada de valor dentro dos veículos.
“Don’t California my Texas” virou até tema de música